“Se Temer mantiver a governabilidade, fará um grande favor ao Brasil”
Para o professor de ética da Unicamp Roberto Romano, Temer sofre com a falta de carisma e a “herança maldita" do presidencialismo brasileiro
Márcio Juliboni
Roberto Romano não espera muita coisa de Temer. Para ele, o presidente não mudará a estrutura política nem econômica do país por falta de força política e de uma estratégia clara de mobilização do Congresso.
Somem-se a esses fatores um aliado maquiavélico no comando do Senado e o PT, disposto a inflamar as ruas no papel de paladino da democracia ferida pelo "golpe", e Temer corre o risco de ficar tão emparedado quanto os pronomes de suas mesóclises. Confira os principais trechos da entrevista a O Financista:
O Financista: Quando era interino, o mercado tolerava as concessões de Temer aos grupos políticos, lembrando a necessidade de consolidar apoio. Como efetivo, ele mudou?
Roberto Romano: Temer continua cedendo, e o pior é que a atuação de seus ministros é desastrosa. Cada declaração que dão, como a da reforma trabalhista, mostra que não há coordenação política. Com isso, o governo não é capaz de mobilizar ninguém. Os grupos de interesse estão no Congresso, à espera de sinalizações claras, mas só estão ficando mais confusos. Isso pode atrasar, e muito, a tramitação dos projetos do governo.
O Financista: Mas Temer é conciliador ou apenas um presidente fraco?
Romano: Esse é um problema sério no mundo todo, de crise de Estados e partidos, não apenas de Temer. Quando a política virou um negócio, impediu o surgimento de verdadeiros estadistas. Hoje, não há mais do que cinco no mundo. Mas, aí, entram fatores próprios de Temer. Ele nunca foi uma liderança. Cresceu à sombra de Montoro e, depois, de Quércia. Tanto que teve muita dificuldade para se projetar no PMDB. Ele não tem carisma. Então, a situação é essa: temos uma crise de liderança no Brasil e no mundo. Para sair da crise, precisamos de lideranças verdadeiras. Mas o sistema não deixa que surjam.
O Financista: Temer cairá na mesma armadilha do PT, a de ter mais problemas com a base aliada do que com a oposição?
Romano: Isso é mais do que certo, porque é um problema fundamental do presidencialismo brasileiro. O poder central arranca os recursos dos Estados e municípios. Depois, para aprovar seus projetos, fica nas mãos dos chefes políticos de cada região. Eles cobram um preço alto para que os recursos voltem, em troca de apoio aos projetos. É uma estrutura anacrônica, burocrática e gastadora. No fundo, Temer herdou a herança maldita do presidencialismo brasileiro (risos).
O Financista: Renan Calheiros é um aliado confiável de Temer no Senado?
Romano: Renan não é um aliado confiável nem de si mesmo. Ele é, por excelência, alguém que trabalha apenas por seus interesses. Mas ele sabe se mover. Um político poderoso é aquele que faz favor até para seus inimigos. Basta lembrar o que ele disse a Gleisi Hoffmann. A sorte de Temer é ter o Romero Jucá a seu lado, que pode passar as informações do que acontece no Senado para o presidente. Mas Jucá não é Deus. Não adianta a informação chegar ao Planalto, se não houver gente capaz de processá-la e dar uma resposta adequada.
O Financista: Os protestos contra Temer podem crescer a ponto de inviabilizar o governo?
Romano: Não sei. Primeiro: o PT está destreinado, depois de anos no Planalto, mas tem know-how de oposição e sabe infernizar quando quer. Segundo: as reformas vão desagradar a uma boa parte da classe média. Terceiro: dada a falta de liderança de Temer, ele corre o risco até de desagradar aos patrões. Quarto: a radicalização da PM está pegando muito mal: a polícia não tem preparo para lidar com protestos de rua. Agora, a classe média "média” não irá para a rua com o PT, porque está com muita raiva dos petistas. A dúvida é quanto o partido conseguirá mobilizar a classe média baixa, que perdeu muita coisa e age mais pelo bolso do que pela ideologia.
O Financista: Com tudo isso, qual o cenário mais realista para Temer?
Romano: Esse será o governo do possível. Não vai modificar a estrutura política nem econômica. Isso não é agenda para um governo transitório como o de Temer. Sinceramente, se ele chegar a 2018 com bases mínimas de governabilidade, já terá feito um grande favor ao Brasil.
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