O que é isso, brasileiro?
Ouvem-se pessoas dizendo, com caretas de vômito,
que quem elegeu Dilma foram
as empregadas domésticas, os porteiros e os nordestinos
Esta semana uma amiga mandou pelo bate-papo do Facebook um texto de Rodrigo Constantino publicado no site Veja.com, cujo título é “Arnaldo Bloch”. Não havia lido a peça. No artigo, o senhor Constantino critica uma de minhas últimas crônicas, “O discurso do ódio”, e me acusa de ter criado uma equivalência entre a agressividade da campanha de Dilma e a de Aécio. No artigo, o senhor Constantino me apresenta como “o esquerdista Arnaldo Bloch”. O rótulo me fez rir, pois, além de jamais ter me filiado a partido ou movimento, eu nunca soube em que corrente ideológica me incluo. Estou mais para biruta, aquele tubo de pano fixado num mastro, que muda de direção com o vento. A depender da situação, giro ao centro, à direita, à esquerda, aos extremos, ao Nordeste ou ao Sudeste. Por isso mesmo já fui chamado de stalinista de Jobi, reacionário, em cima do muro, pequeno-burguês, grande burguês, chato e anarquista.
Certa vez, de forma simpática, Pedro Bial disse que sou “o mais mercurial dos cronistas”. Bial se referia justamente ao caráter incerto de minhas posições, sabendo que se trata de uma incerteza que cultivo conscientemente. Ouço, antes de tudo, meu estado de espírito, respeito as dúvidas (é melhor assumi-las do que cravar falsas certezas). Além disso, creio que paradoxos fazem parte do mundo real e que há questões que têm mais de uma resposta, ou não têm resposta alguma. Às vezes, implico com o senso comum, quando este se acha a serviço da padronização do pensamento.
Se sou este ser incerto, ou apenas confuso, e se meu suposto esquerdismo é controverso, de uma coisa, além da morte, tenho certeza absoluta: o senhor Constantino é de direita. Obcecado por rótulos, ele rotula a si mesmo, no alto de sua página on-line: “Um liberal sem medo de polêmicas.” Um articulista que se autodenomina “liberal” e escreve as coisas que o senhor Constantino escreve só pode ser de direita. O que não é um problema em si. Há direitistas admiráveis e bem-intencionados, assim como esquerdistas amáveis e outros que, como se diz, ninguém merece.
No referido texto, o senhor Constantino classifica a tal equivalência que estabeleço em minha coluna como uma técnica típica da propaganda marxista, para aniquilar as diferenças e, no caso, desviar a atenção do leitor para o fato de que o ódio fora todo insuflado pelo PT, poxa! UMA DAS GRANDES COISAS QUE FEZ O PT FOI DIVIDIR NOSSO PAÍS. QUEM DISSEMINOU O ÓDIO FOI O PT, SIM, E NÃO TEMOS DÚVIDA ALGUMA QUANTO A ISSO. NÃO TERÁ UM ARNALDO BLOCH CAPACIDADE PARA TAPEAR ESCONDER OS FATOS.
Ocorre que eu estava menos interessado em ovos e galinhas, em quantificar os tamanhos dos ódios ou a sequência exata das faíscas, e mais interessado em observar o tipo de panaceia de estereótipos que se espalhara pelas redes a partir dos debates e da propaganda. Até porque ao ódio não se responde, obrigatoriamente, com ódio, de forma que, qualquer que tenha sido o estopim, uma série de abominações estava sendo disparada não só entre os candidatos, mas entre os cidadãos brasileiros, dedicados menos a levar seu Dilma ou Aécio à vitória e mais a pulverizar, estraçalhar, degolar o semelhante mais próximo que comungasse da plataforma adversária.
O senhor Constantino, contudo, é do tipo que só admite literalidades, em sua compulsão por rótulos. Mais ou menos como aqueles republicanos que, quando Obama usou a expressão Justiça Social, tacharam-no, dedo em riste, de comunista. Uma coisa assim meio Tea Party. É um perfil sob medida para a ressaca pós-eleitoral, na qual o preconceito se exacerba de um modo chocante. Digamos que o PT insuflou o ódio com a história de pobres contra ricos. Pois bem, isso poderia ter resultado em ricos dizendo que Dilma foi eleita pelos pobres, ou pobres dizendo que Dilma derrotou os ricos. O que seria apenas medíocre de parte a parte.
Mas não. O que se ouve são pessoas por aí dizendo, com caretas de vômito, que quem elegeu Dilma foram as empregadas domésticas e os porteiros, e também os nordestinos. Essas pessoas, que em geral nem tão ricas são, falam de tais eleitores como se fossem seres degenerados. Quer dizer, qualquer que seja o estopim, olha aí o monstro saindo da gangorra rico/pobre para surfar no preconceito social e no racismo endêmicos. Isso não tem nada a ver com o PT. Nem com o PSDB.
Ouvi uma menina de oito anos dizer que Dilma deu dinheiro aos pobres e “ferrou” os ricos, que o certo é dar dinheiro também aos endinheirados, pois “todos são seres humanos”.
Não parece. Imagino o tipo de asneira que esse pai (que afagou os cabelos da filha como quem recompensa um cão) anda incutindo na cabeça da pobrezinha. Mal sabe ela que os ricos, os banqueiros, as grandes fortunas, foram protegidos pelos governos do PT, ainda que tenha havido um grau razoável de distribuição de renda (o que, pelo jeito, é crime hediondo de esquerda). Mal supõe a menina que Lula nem de esquerda é. Que há pobres que votaram em Aécio e liberais que financiaram Dilma. Se Dilma é má gestora, isso é outra história. Mas para que relativizar, se os rótulos estão aí, tampões para toda sorte de hemorragia?
Nenhum comentário :
Postar um comentário