Este espaço é desaconselhável a menores de 21 anos, porque a história de nossos políticos pode causar deficiência moral irreversível.
Este espaço se resume
, principalmente, à vida de quengas disfarçadas de homens públicos; oportunistas que se aproveitam de tudo e roubam sem
punição. Uma gente miúda com pose de autoridade respeitável, que
engana o povo e dele debocha; vende a consciência e o respeito por si próprios em troca de dinheiro sujo. A maioria só não vende o corpo porque este, além de apodrecido, tem mais de trinta anos... não de idade, mas de vida
pública.


OPINIÕES PESSOAIS

domingo, 12 de outubro de 2014

Empate tétrico - Arnaldo Bloch

Nos bares já circula um novo personagem: é um eleitor em profunda crise, com sérias dúvidas sobre se vota em Dilma ou em Aécio

 
 
“Não estou entendendo mais nada”. Esta é uma das frases ouvidas com maior frequência na cidade desde o resultado do primeiro turno das eleições presidenciais e para governador do Rio. A sensação de que a lógica foi desafiada de maneira misteriosa, ou, indo mais longe, de que sequer havia qualquer lógica a ser desafiada, e de que o brasileiro virou um povo “volúvel” tomou conta dos formadores de opinião, da opinião pública e mesmo de quem não tem nenhuma opinião para formar ou publicar. E salvou do naufrágio metodológico as grandes catedrais do sufrágio, também conhecidas como institutos de pesquisa.
 
 
A impressão de que um grande absurdo se abateu sobre uma suposta ordem natural do comportamento do eleitor favoreceu, inclusive, que o jornalismo da Rádio Globo, logo após a rodada do Campeonato Brasileiro, tratasse, muito apropriadamente, a proximidade do segundo turno como uma grande final esportiva. Não me lembro bem do nome do comunicador que, com aquele jeitão, disse que as disputas para presidente e para governador iriam ser “de arrepiar”, cheias de grandes lances e emoções. Afinal de contas (aí sou eu que estou parafraseando) a política é “uma caixinha de surpresas”. O que talvez não se perceba é que, quando o eleitor está confuso, vulnerável, sujeito ao próprio absurdo que se tornou a política brasileira, a surpresa não é uma surpresa: ela é o óbvio, seja qual for.
 
 
Assim como o resultado ilógico dentro de um contexto ilógico é um resultado lógico, e como qualquer outro resultado ilógico seria igualmente lógico. Deu para entender? Não importa muito. Ninguém está entendendo nada mesmo. Ou até está, mas aquilo que se entende é tão assombroso que o entendimento se converte em confusão, numa espécie de aproximação entre o que seria a rotina do jogo democrático com os abismos da especulação filosófica.
 
 
É com a mesma sensação que, nessa quinta-feira à noite, quando escrevo, ao arrepio das primeiras pesquisas do segundo turno divulgadas pelos dois principais institutos, recebo o empate técnico entre Aécio e Dilma. Se não é surpreendente em vistas do que ocorreu nas “semifinais”, o resultado tampouco diz qualquer coisa de útil ou dá sinais do que possa ocorrer, considerando que os números estão corretos e que a volubilidade dos eleitores brasileiros não esteja em surto agudo. Porque, a julgar pelo que se ouve por aí, o brasileiro continua mesmo surtado, e com toda a razão. Nos bares já circula um novo tipo de personagem, que assusta alguns, mas começa a ser aceito com naturalidade à medida que se reproduz: é um eleitor em em profunda crise, com sérias dúvidas sobre se vota em Dilma Rousseff ou em Aécio Neves.
 
 
Esta dúvida pode não explicar nada, mas joga luzes no estádio. Por um lado, sinaliza, na raiz, para um antigo sonho, hoje completamente sepulto, dos que imaginavam, pelo menos uma década e meia atrás, que PT e PSDB eram bandeiras compatíveis, que poderiam até se unir, partilhavam na média um perfil social-democrata e um passado de lutas. Por outro lado, e agora falamos do presente, aponta para vários tipos de temor, principalmente dos eleitores que não se pautam pelo ódio seja ao PT, seja ao PSDB, e que reconhecem em ambas as heranças a convivência entre aspectos malditos e elementos benditos.
 
 
Estas pessoas se consomem em dilemas do tipo: “Se Aécio ganhar, vamos ter uma melhor gestão, mas poderemos ver um retrocesso na vontade política de ações sociais imediatas e distributivas”, ou “Está na hora de dar um tempo de PT, deixar o PT refletir e se reformular, e daqui a cinco anos repensar... mas... será que a reeleição vai cair se Aécio for eleito?”. Ouve-se muito também um certo tipo de gente que, se antes nutria um afeto algo à esquerda pelo PSDB, hoje não consegue ver os tucanos senão à direita, assim como petistas que querem votar em Dilma para não perder as conquistas dos anos L... mas, diante da perspectiva de fazê-lo, sentem náuseas, como se estivessem entre a cruz e a espada.
 
 
Aí está mais um escândalo de corrupção com detalhes processuais vazando em pleno processo eleitoral (como sempre acontece), os envolvidos negando, e o eleitor, de repente, se dando conta de que a corrupção, ainda que o PT tenha caprichado na modalidade, é endêmica e que o que tem que mudar, mesmo, é nossa educação, nossa cultura política e, também, se fazer a reforma, e esse é um tema que tortura o eleitor, entre os extremos do medo do plebiscito e do pânico da inação.
 
 
No campo da confusão, conheço até um sujeito que era dilmista roxo e hoje faz oposição ferrenha à presidente nas redes, mas não vota em Aécio nem a porrada, defende o voto nulo, acha Garotinho melhor que Pezão e vai votar em Crivella. Pensei em ligar para a mãe deste amigo e sugerir que ela o internasse, mas, de repente, percebi que o que ele está dizendo é tão absurdo como lógico, tão inócuo quanto significativo. Se esse estado de coisas é bom ou ruim, não sei dizer. Parece-me, contudo, mais razoável, reflexivo, do que os embates no Facebook, onde se dissemina qualquer bobagem sem checar fonte e onde a ignorância é a rainha das consciências.
 
 
 


 

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