A Carta abaixo foi colocada aqui por ser um documento histórico,
embora a maioria das pessoas nem se interessem em ler.
Documento com 32 páginas foi lido pelo advogado da petista nesta quarta
Ex-ministro advogado da petista José Eduardo Cardozo leu ontem o depoimento da presidente afastada em resposta às acusações
Excelentíssimo
Senhor Presidente da Comissão Especial do Senado Federal criada com a
finalidade de proferir parecer sobre a Denúncia n. 1, de 2016
Interessado:
SENADO FEDERAL
Assunto:
Depoimento
pessoal a ser prestado pela Sra. Presidenta
da República perante a Comissão Especial criada com a finalidade de
processar a Denúncia nº 1, de 2016, relativa à autorização para processo
e o julgamento da Presidente da República por suposto crime de
responsabilidade.
A Excelentíssima Senhora
Presidenta da República, DILMA
ROUSSEFF, tendo sido regularmente intimada para comparecer perante esta DD
Comissão responsável pelo processamento da Denúncia por Crime de
Responsabilidade n. 1, de 2016, vem apresentar, por escrito, na conformidade do
disposto no art. 25 da Lei n. 1079, de 10 de abril de 1950, seu depoimento
pessoal, a ser prestado e lido pelo advogado subscritor da presente, na sessão
do dia 5 de julho do corrente ano. Assim sendo, requer a Vossa Excelência a
juntada deste documento aos autos, e a sua leitura em sessão, como forma de prestação do
depoimento pessoal, colocando-se, ainda, o subscritor, à inteira disposição
desta DD. Comissão para responder às eventuais indagações que porventura possam
vir a ser ofertadas pelos Srs. membros desta Comissão, relativamente ao objeto
do presente processo. Termos em que P. Deferimento Brasília, 5 de julho de 2016
JOSÉ EDUARDO CARDOZO OAB/SP n. 67.219
A U T O R I Z A Ç Ã O
Autorizo, para todos os fins de
direito, na conformidade do disposto no artigo 25 da Lei n. 1.079, de 10 de
abril de 1950, o Dr. José Eduardo Martins Cardozo, OAB/SP n. 67.219, na
condição de meu advogado regularmente constituído nestes autos, a proceder a
leitura do meu depoimento pessoal, na sessão da Comissão Especial do Senado
criada para processar a Denúncia por Crime de responsabilidade contra mim
ofertada (Denúncia n.1. de 2016), ficando ainda por mim autorizado a responder,
em meu nome, eventuais questões ou indagações apresentadas pelos Senadores
membros desta DD. Comissão, relativamente ao objeto do presente processo.
Brasília, 4 de julho de 2016. DILMA ROUSSEFF Presidenta da
República
Excelentíssimo Senhor Presidente
da Comissão Especial do Senado Federal criada com a finalidade de processar a
Denúncia n.1, de 2016, por crime de responsabilidade, Excelentíssimo Senhor
Relator, Senhoras e Senhores Senadores, Quero iniciar minha defesa registrando
meu profundo respeito pelo Senado da República e por todas as senhoras
senadoras e todos os senhores senadores. Assim como defendo a legitimidade do
mandato que me foi conferido pelo voto de mais de 54 milhões de brasileiros,
tenho perfeita compreensão da legitimidade dos mandatos daqueles que serão
agora os meus 81 juízes, que chegaram a esta Casa igualmente amparados no voto
popular. Dito isto, peço às senhoras e ao senhores o direito de me apresentar como
sou, com toda a clareza e sinceridade. Saibam todos que vocês estão julgando
uma mulher honesta, uma servidora pública dedicada e uma lutadora de causas
justas.
Tenho orgulho de ser a primeira
mulher eleita Presidenta do Brasil. Nestes anos, exerci meu mandato de forma
digna e honesta. Honrei os votos que recebi. Em nome desses votos e em nome de
todo o povo do meu país, vou lutar com todos os instrumentos legais de que
disponho para exercer o meu mandato até o fim.
O destino sempre me reservou
grandes desafios. Alguns pareciam instransponíveis, mas eu consegui vencê-los.
Já sofri a dor indizível da tortura, já passei pela dor aflitiva da doença, e
hoje sofro a dor igualmente inominável da injustiça. O que mais dói neste
momento é a injustiça. O que mais dói é perceber que estou sendo vítima de uma
farsa jurídica e política. Não esmoreço. Olho para trás, e vejo tudo o que
fizemos. Olho para frente, e vejo tudo o que ainda precisamos e podemos fazer.
O mais importante é que posso olhar para mim mesma e ver a face de alguém que,
mesmo marcada pelo tempo, tem forças para defender suas ideias e seus direitos.
Nunca deixei de lutar, ao longo de toda a minha vida, pelo que acredito. Nunca
me desviei das minhas crenças ou das minhas convicções éticas e políticas.
Sempre acreditei na liberdade e na possibilidade de construção de uma sociedade
justa e fraterna, onde a exploração e a miséria não existam. Sempre acreditei
na igualdade entre homens e mulheres, na necessidade de lutarmos com paixão,
intransigência e firmeza, contra todas as formas de opressão, preconceito e
intolerância. Também sempre acreditei na democracia e por ela lutei, abdicando
de muitas coisas na minha vida pessoal. A ela dediquei a minha juventude. Sofri,
como tantos outros, na carne, a ação violenta do ódio, da intolerância e do
autoritarismo daqueles que nunca receberam do povo o poder de governar. A
experiência tem me ensinado que a democracia não é conquista definitiva, da
qual se possa descuidar. É construção permanente, constante, a ser aperfeiçoada
e protegida de ameaças.
Tenho orgulho de continuar ainda
hoje servindo à esta mesma democracia pela qual sempre lutei. Agora, com a
serenidade e a experiência adquiridas ao longo do tempo, como mulher que tem
orgulho de ser mulher, e que jamais temerá defender o que entende por correto e
justo, pouco importando o preço pessoal que tenha que pagar por isso. Por isso,
sigo ainda, como no passado, conclamando a todos os que acreditam na soberania
nacional, na Democracia, no Estado de Direito e na justiça social, para que
jamais esmoreçam ou se afastem dessa luta justa que não admite retrocessos.
Independentemente da simpatia ou não pelo governo eleito no final de 2014, essa
é uma luta da qual todos os que acreditam honestamente nesses valores não podem
transigir, recuar por medo, por comodismo ou pela busca de vantagens pessoais.
Os que forem dignos e honrados, se nessa luta capitularem, não deixarão, cedo
ou tarde, de sentir o terrível peso da vergonha, ao vislumbrarem seu próprio
rosto no espelho da história. Nunca poderão afastar das suas mentes a lembrança
dos que morreram e foram torturados, para que pudéssemos ser um país soberano,
livre e regido pelo Estado Democrático de Direito. Não poderão fingir que
desconhecem o fato de que muitos tombaram para que pudéssemos dizer o que
pensamos, para que pudéssemos escolher pelo voto direto nossos governantes, e
para que pudéssemos ser sempre julgados, nos termos da nossa Constituição, por
órgãos imparciais e justos, após um devido processo legal. A covardia ou a
traição a esta causa serão sempre imperdoáveis. Histórica, ética e humanamente imperdoáveis.
Na minha vida, os que me conhecem
sabem que incorri provavelmente em erros e equívocos, de natureza pessoal e
política. Errar, por óbvio, é uma decorrência inafastável da vida de qualquer
ser humano. Todavia, dentre estes erros, posso afirmar em alto e bom som, jamais
se encontrará na minha trajetória de vida a desonestidade, a covardia ou a
traição. Jamais desviei um único centavo do patrimônio público para meu
enriquecimento pessoal ou de terceiros. Jamais fugi de nenhuma luta, por mais
difícil que fosse, por covardia. E jamais traí minhas crenças, minhas
convicções, ou meus companheiros, em horas difíceis. Por isso, se alguém ainda
hoje espera de mim o abandono da luta em defesa do mandato presidencial que me
foi outorgado pelo voto do povo brasileiro, a partir de uma Constituição que
estabelece para o nosso país a existência de um Estado Democrático de Direito,
afirmo que comete um ledo engano. Não luto, nem nunca lutarei, pelo privilégio
de continuar sendo Presidente da República. Nunca me apeguei à vaidade do exercício
dos cargos; entrei na vida pública por ideais. É fato que, nesses últimos
tempos, foram muitas as ofensas, as discriminações, as traições, as mentiras,
as farsas, as tentativas de humilhação e as decepções com pessoas que julgava
dignas e honestas. Talvez, para alguém, isso possa sugerir que, para meu
conforto e sossego, o melhor seria o abdicar da luta, buscar refúgio na minha
consciência tranquila, relegando para historiadores futuros e honestos o dever
de resgatar a verdade dos fatos. Deixar a eles a denúncia das ações
antidemocráticas e antipopulares que motivam este infundado processo de impeachment.
Aprendi, porém, que quando se
está do lado certo da história e se empunha uma bandeira justa, nunca se deve
renunciar à uma boa luta, por mais difícil que ela seja. Como já se disse
poeticamente, “também dá fruto doce , a adversidade ”
Tenho a convicção de que os
frutos dessa resistência democrática, empreendida por todos os que não querem o
retrocesso político e social no nosso país, aparecem cada vez mais a cada dia.
Apesar dos esforços destrutivos de algumas lideranças políticas e empresariais,
e de alguns setores da mídia, creio que apenas seja uma questão de tempo para
que os que hoje se julgam vitoriosos venham a ser colocados no devido lugar que
a luta democrática e a história lhes reserva. Continuo a lutar, assim, pela
democracia do meu país e para que a vontade popular não seja desrespeitada,
como já o foi tantas vezes no passado. Continuo a lutar para que soe o alerta
democrático de que não é com a destituição inconstitucional de um governo
legitimo, isto é, não é por meio de um golpe de estado apoiado na farsa e
construído pela falsa retórica jurídica, que se poderá trazer melhores dias para
o nosso povo. Sou alvo dessa farsa porque, como Presidenta, nunca me submeti a
chantagens. Não aceitei fazer concessões e conciliações escusas, de bastidores,
tão conhecidas da política tradicional do nosso país. Nunca aceitei a
submissão, a subordinação e a traição dos meu eleitores como preço a pagar
pelos acordos que fiz.
A expressão literal,
traduzida por Carlos Alberto Nunes, de SHAKESPEARE (Como gostais,
Ato II, palavras do Duque Sênior ) é “Sweet are the uses of adversity”.
É por ter repelido a chantagem
que estou sendo julgada. Este processo de impeachment somente existe por eu ter
rechaçado o assédio de chantagistas. Não nego que tenha cometido erros, e por
eles certamente sou e serei cobrada, mas estou sendo perseguida pelos meus
acertos. Estou sendo julgada, injustamente, por ter feito o que a lei me
autorizava a fazer. Nunca, em nenhum país democrático, o mandato legítimo de um
presidente foi interrompido por causa de atos de rotina da gestão orçamentária.
O Brasil ameaça ser o primeiro país a fazer isto. O maior risco para o Brasil
neste momento é continuar a ser dirigido por um governo sem voto. Um governo
que não foi eleito diretamente pela população não terá legitimidade para propor
saídas para a crise. Um governo sem respaldo popular não resolverá a crise
porque será sempre, ele próprio, a crise. Um governo sem voto simboliza o
restabelecimento da eleição indireta, contra a qual nosso povo lutou por muitos
e muitos anos. Um governo sem voto não será respeitado e se tornará, mais do
que um entrave às soluções, a própria causa do impasse. Interromper meu mandato
de forma injusta e irregular representará impor grande risco a todas as cidadãs
e cidadãos de nosso Brasil. É com esse espírito e por estas razões pessoais e
de Estado que, por meio do meu advogado de defesa, presto os esclarecimentos
que a seguir passam a ser firmados nos autos deste processo de impeachment.
Contra mim, neste processo, são
dirigidas duas denúncias por crime de responsabilidade. Sou acusada de editar
decretos de abertura de crédito suplementar, sem a devida autorização
legislativa.
Sou acusada também de determinar
o atraso de pagamentos de subvenções econômicas ao Banco do Brasil, no âmbito
da execução de um programa de crédito rural (Plano Safra). Conforme revelam
todas as alegações produzidas pela minha defesa, e as demais provas fartamente
produzidas ao longo deste processo, estas denúncias são manifestamente
improcedentes. Não pratiquei nenhum crime de responsabilidade que pudesse
legitimar o meu afastamento ou a cassação do meu mandato de Presidenta da
República.
Diz a nossa Constituição Federal,
no seu artigo 85, que “são crimes de responsabilidade os atos do Presidente da República que atentem contra a Constituição
Federal”. Afirma ainda o seu parágrafo
único que “estes crimes serão definidos em
lei especial, que estabelecerá as normas de processo e
julgamento”.
Diante desse dispositivo
constitucional, nenhuma dúvida poderá existir de que somente caracterizarão
crimes de responsabilidade atos gravíssimos que sejam diretamente praticados
pelo Presidente da República, na conformidade do definido em lei, e ainda em
decorrência de sua inequívoca conduta dolosa. Também não podem existir dúvidas
de que a ocorrência destes crimes, apesar de ensejarem um juízo de valoração
política por parte dos membros do Poder Legislativo que atuarão como
julgadores, deve restar plenamente provada em um devido processo legal, para
que possa existir a responsabilização política do Chefe de Estado e de Governo
e a afirmação legal e legítima do seu impeachment.
No que diz respeito a edição dos
decretos suplementares referidos na denúncia parcialmente recebida pelo Sr.
Presidente da Câmara, no dia 2 de dezembro de 2015, é importante observar que
dos 6(seis) atos administrativos
originalmente mencionados, após o decidido por esta Comissão e a perícia
realizada por requerimento da nossa defesa neste processo, reconhece-se agora
que apenas 3 (três) devem continuar ainda a ser discutidos quanto a se poderiam
ou não ter sido editados sem uma prévia autorização legislativa. Não tenho a
menor dúvida de que estes decretos foram baixados com a devida autorização
legal e sem qualquer ofensa às nobres atribuições constitucionais do Poder
Legislativo. Esta autorização foi dada pelo art. 4 da Lei n. 13.115, de 20 de
abril de 2015 (Lei Orçamentária anual vigente para o ano de 2015). De fato,
este dispositivo legal autorizava expressamente a edição de decretos de abertura de créditos
suplementares, “desde que as alterações promovidas na
programação orçamentária sejam compatíveis com a obtenção da meta de resultado
primário estabelecida para o exercício de 2015”.
E assim foi feito pelo meu
governo, como demonstrado nestes autos. Conforme atestado pelos diversos órgãos
técnicos que firmaram posicionamentos favoráveis à edição destes três atos
administrativos, de acordo com a concepção jurídica e financeira pacificamente
admitida à época da sua edição, estes decretos de abertura de crédito
suplementar não mantinham nenhuma situação jurídica de incompatibilidade
financeira com as metas fiscais. Deveras, de acordo com o que sempre se
entendeu desde a entrada em vigor da Lei de Responsabilidade fiscal (Lei
Complementar n. 101, de 4 de maio de 2000), nenhum desrespeito às metas fiscais
haveria na edição de simples decretos de suplementação de crédito que adotassem como
fontes o “excesso de arrecadação de receitas próprias” ou o “superávit
financeiro aprovado no balanço patrimonial do exercício de 2014”, desde que houvesse, por meio de outros atos
administrativos (decretos), um contingenciamento que impedisse um gasto, a
maior, por força desta modificação orçamentária. Não é difícil entender-se esta
interpretação pacificamente dada pelos órgãos técnicos, durante muitos anos,
aos dispositivos normativos das diferentes leis orçamentárias que foram
aprovadas após a entrada em vigor da Lei de Responsabilidade Fiscal. Um
orçamento, por si, apenas autoriza aos administradores públicos a possibilidade
da realização de uma despesa. Um decreto presidencial que suplementa créditos
de uma lei orçamentária aprovada, em sendo assim, apenas “autoriza” a suplementação daquelas
programações que originalmente estão previstas na Lei aprovada pelo Congresso
Nacional. Por óbvio, se os gastos previstos, todavia, forem por um outro ato “impedidos de serem realizados” (em linguagem
técnica, “contingenciados”), de maneira a que a alteração feita
pelo decreto de suplementação não implique em quaisquer gastos “a maior” do que
os originalmente previstos, do ponto de vista
financeiro não haverá qualquer possibilidade lógica e jurídica de que estes
atos venham a contribuir com um desrespeito à obtenção das metas fiscais.
Afinal, as metas fiscais possuem natureza estritamente financeira, ou seja,
dizem respeito apenas a gastos efetivamente feitos, jamais guardando qualquer
pertinência, por si só, com as meras autorizações de gastos formalmente
estabelecidas na Lei orçamentária vigente. Este, repita-se, era o entendimento
jurídico dominante seguido por todos os órgãos administrativos, ao longo de
todos os governos que se seguiram à
entrada em vigor da Lei de Responsabilidade Fiscal. E foi o entendimento
seguido, naturalmente, em relação aos decretos discutidos neste processo. Sem
qualquer sombra de dúvida, os créditos suplementados por estes decretos, de
acordo com esta concepção pacificamente admitida à época, guardavam
indiscutível compatibilidade com a meta fiscal. Isto porque, por força do
contingenciamento das verbas orçamentárias determinado por outros decretos por
mim assinados, estes atos administrativos jamais poderiam ensejar gastos a
maior do que o originalmente estabelecido. Não há como se dizer que decretos de
abertura de crédito suplementar possam prejudicar o alcance das metas fiscais,
quando as autorizações orçamentárias por eles acrescidas não puderem ser
financeiramente gastas, em decorrência da limitação imposta pelos decretos de
contingenciamento. Por isso, é absolutamente descabido afirmar-se que a
impossibilidade de atingimento das metas fiscais, ao longo do ano de 2015, se
deveu, em qualquer medida, a edição destes decretos de abertura de créditos
suplementares. Qualquer análise, por mais superficial que seja, revela, que
esta dificuldade ocorreu, única e exclusivamente, pela queda vertiginosa da
receita ao longo deste ano, motivada pela crise econômica. Por óbvio, não foram
estes decretos, na medida em que não implicaram em nenhum gasto a maior, por
força do já aludido contingenciamento, que ensejaram, em si, qualquer alteração
na realidade financeira da Administração federal. Eles apenas implicaram em
mera realocação formal e abstrata das atividades em que poderiam ser
dispendidos os mesmos valores financeiros disponíveis, sem qualquer elevação
dos gastos financeiros.
Foram atos, como de praxe
acontecia, praticados ao longo de uma rotineira gestão orçamentária. A
propósito, é importante observar que, ao contrário do que muitas vezes se
afirma de forma equivocada, no ano de 2015, o governo federal fez o maior
contingenciamento da sua história. Meu governo, com isso, demonstrou um claro
compromisso com a responsabilidade fiscal. Contingenciou-se tudo o que se
podia, sem a paralização de atividades consideradas essenciais para a população
brasileira, dentro de padrões de razoabilidade e de um absoluto compromisso com
o interesse público. O agravamento da crise, todavia, fez com que apesar do
contingenciamento, a queda das receitas viesse a indicar a necessidade de que o
governo propusesse ao Congresso Nacional a mudança legislativa das metas
fiscais estabelecidas. Dentro desse procedimento recomendado e utilizado por
diferentes governos, desde a entrada em vigor da Lei de Responsabilidade
Fiscal, foi aprovada pelo Congresso Nacional, antes do final do ano, a
alteração da meta fiscal. Considerando que, sem dúvida, as metas fiscais são anuais,
por força de disposição legal expressa da Lei de Responsabilidade Fiscal, em
nenhum momento, de acordo com a interpretação dominante, as metas fiscais de
2015 foram desrespeitadas pelo meu governo. Tenho, assim, como sempre também o
tiveram os órgãos técnicos da Advocacia Geral da União, como inadmissível que
se pretenda que as metas sejam tidas como respeitadas ou não antes do período
anual para o qual foram estabelecidas. O fato da lei de responsabilidade fiscal
obrigar, saudavelmente, a expedição de relatórios periódicos ao longo do ano do
exercício orçamentário, em nada altera esta realidade. Trata-se de uma mera
providência para que o administrador, ao constatar que
as metas ao final do ano possam vir a não ser atingidas, tome as providências
necessárias ao seu alcance ou providencie, se for o caso, a sua alteração
legislativa. Foi o que foi feito pelo meu governo. Ora, assim se vê, com
absoluta clareza, que os decretos de abertura de crédito suplementar em nada
feriram a lei orçamentária, a lei de diretrizes orçamentárias ou a lei de
responsabilidade fiscal. Foram atos praticados em total consonância com a
autorização legislativa conferida ao Executivo nos termos do art. 4. da Lei Orçamentária do ano de
2015, de acordo com a interpretação vigente na época. Solicitados por
diferentes unidades governamentais, e de outros Poderes, sem qualquer
ingerência da Presidência da República, foram estes atos administrativos
analisados por diferentes órgãos técnicos e jurídicos. E, após detida análise
em procedimento técnico “parametrizado”, foram por mim assinados e
expedidos, como foram sempre, os simples atos próprios de uma rotina
administrativa preestabelecida. Observe-se ainda que estes decretos não foram
editados para atender a necessidades injustificadas ou desconformes ao
interesse público. Muito pelo contrário. Visaram atender a necessidades
relevantes de importantes órgãos da administração federal, tais como a Polícia
Federal, as universidades federais e outros Poderes, como a Justiça do
Trabalho. Não tivessem sido eles por mim editados, as atividades ordinárias
destes órgãos e a sua própria eficiência funcional poderiam restar seriamente
comprometidas. Sendo assim, se era possível, de acordo com o entendimento
dominante, que fossem baixados decretos que determinassem a abertura de
créditos suplementares, não havia razão lógica alguma para que se viesse
a sobrecarregar o Poder Legislativo, com o envio de projetos de lei que apenas
levariam a autorização, do que se entendia, já estava legalmente autorizado a
ser efetuado por simples atos administrativos. Além disso, devemos considerar
que as próprias delongas naturais do processo legislativo, haveriam de
propiciar, no caso de envio de projetos de lei, questões administrativas
difíceis de serem superadas pela demora da abertura destes créditos
suplementares em favor dos órgãos e dos Poderes que os haviam solicitado.
Justamente por esse entendimento, anualmente é feita uma avaliação pelo Poder
Legislativo para definir os incisos que constarão do artigo 4º da Lei
Orçamentária e que conferirão, ao Presidente da República, prerrogativas para
maior celeridade na abertura de créditos suplementares durante a execução dessa
Lei. Cumpre observar, contudo, que o Tribunal de Contas da União, modificando
claramente o seu posicionamento anterior, veio a entender que os decretos que
determinavam a abertura de créditos suplementares deveriam guardar,
formalmente, uma pertinência in abstrato com o atendimento das metas
fiscais. Esse entendimento, ao ver dos órgãos técnicos e jurídicos do governo
federal, e também ao que hoje se sabe de vários juristas, não representa a
melhor interpretação ao caput do art. 4. da Lei orçamentária de 2015. Se
as metas fiscais dizem respeito a uma realidade financeira, parece ser
juridicamente pouco razoável que se impeça a edição de simples decretos de
suplementação de crédito quando, por força de um efetivo contingenciamento, se
garante que não haverá nenhum desembolso a maior de verbas com a sua edição. Ao
adotar-se um tal entendimento, se atribui maior morosidade a máquina administrativa e se inibe
a boa e rápida gestão de recursos públicos já existentes para o bom exercício
de funções públicas relevantes. Altera-se, deste modo, a pretexto de uma
“melhor interpretação jurídica” aquilo que vinha sendo feito regularmente, e com grande razoabilidade,
desde o ano 2001, com a entrada em vigor da Lei de Responsabilidade Fiscal. Mas
os órgãos de controle devem ser respeitados nas suas decisões, mesmo que os
administradores e seus órgãos técnicos discordem do entendimento adotado. E
assim também fez o meu governo. A partir do momento em que foi decidido pelo
Tribunal de Contas da União a impropriedade, a seu ver, da expedição de
decretos de crédito suplementar em situações de
“incompatibilidade orçamentária” (e não financeira) com a meta fiscal,
mesmo que as verbas estivessem contingenciadas, o governo federal deixou de
editar tais decretos. Obedecemos, assim, fielmente, as determinações do órgão
de controle. Relevante, observar, nesta medida, que os decretos em discussão
neste processo foram editados anteriormente a que o Tribunal de Contas da União
tivesse tomado qualquer decisão a respeito da matéria. Como já salientado, para
a sua expedição foi seguido o procedimento
“parametrizado”, adotado há anos, obtendo-se
prévias manifestações técnicas e jurídicas favoráveis de diferentes órgãos da
administração federal, que afirmavam a legalidade dos atos, em especial sua
compatibilidade com a obtenção da meta de resultado, conforme determinava a
explícita autorização legal. Imaginar-se, assim, por todo o exposto, que a
edição de tais decretos implicaram em atos atentatórios à Constituição e em crimes de responsabilidade, se
apresenta como algo inadmissível técnica e juridicamente. Onde estaria o crime
de responsabilidade materializado pela edição destes decretos? No fato de ter a
Chefe do Executivo atendido a solicitação de órgãos públicos, inclusive de
outros Poderes, para atender às suas necessidades inadiáveis, seguindo um
procedimento de rotina adotado há anos? No fato de ter seguido à risca o
parecer de vários órgãos técnicos, de diferentes Ministérios, que recomendavam
a medida? No fato de estar seguindo uma orientação jurídica dominante, até
então incontestada, de que estes decretos não estariam, por si só, apesar do
contingenciamento decretado, desatendendo às metas fiscais? No fato de ter
baixado decretos que não implicaram, por força de contingenciamento, em nenhum
gasto efetivo capaz de atingir mesmo que levemente o atendimento das metas
fiscais? No fato de ter supostamente descumprido metas fiscais que vieram a ser
alteradas por ato legislativo antes do momento em que poderiam restar
juridicamente feridas? Não há, na edição destes decretos, a menor possibilidade
de que se possa configurar juridicamente a ocorrência de qualquer crime de
responsabilidade, em conformidade com o que define a legislação brasileira.
Afirmo, com convicção, que com a edição destes decretos, de acordo com os
órgãos técnicos da Administração federal, não houve ilegalidade, nem qualquer
desrespeito às metas financeiras estabelecidas, posto que não geraram quaisquer
gastos a maior do que o previsto. Não houve, assim, no caso, qualquer
comportamento ilícito e grave capaz de configurar um verdadeiro “atentado” à nossa Constituição.
Aliás, mesmo que assim não fosse
e tivesse eu editado decretos sem qualquer amparo do art. 4 da Lei orçamentária de
2015, um ponto a mais poderia ser invocado para descaracterizar, de plano, a
ocorrência de um crime de responsabilidade na edição destes atos
administrativos. Falo da absoluta falta de comportamento doloso na edição
destes decretos presidenciais de abertura de crédito suplementar. Como é
notório, nos termos da nossa ordem jurídica em vigor, não existe a
possibilidade de configuração de um crime de responsabilidade sem a
configuração da prática, pelo Presidente da República, de um ato doloso. Onde
está, devemos perguntar, a má-fé, o dolo grave que marcaram a minha conduta no
caso da edição destes decretos? Os decretos foram editados com base na
interpretação técnica e jurídica dominante, acolhida expressamente e
manifestada por todos os órgãos responsáveis pelo exame da matéria. A
solicitação de expedição dos decretos atendia a razões comprovadamente de
interesse púbico. Todos os governos anteriores haviam feito a mesma coisa. O
Tribunal de Contas União, outros órgãos de controle ou mesmo o próprio Poder
Judiciário, nunca antes da edição destes decretos, haviam firmado qualquer contrariedade
definitiva a esse entendimento. O procedimento que marcou a sua edição é “parametrizado”, sendo despachado pelo Presidente da
República como um verdadeiro ato de rotina. Onde estará então o dolo que
caracterizaria o meu ato delituoso? No que, ao assinar e mandar publicar estes
decretos, teria eu atentado gravemente contra a Constituição da República?
Aliás, restou demonstrado pela
minha defesa que no ano de 2001 (governo do Presidente Fernando Henrique
Cardoso) e no ano de 2009 (governo do Presidente Luís Inácio Lula da Silva), em
períodos em que se impôs a modificação das metas fiscais, também foram editados
decretos idênticos aos meus, ora discutidos nestes autos. Na oportunidade, o
Tribunal de Contas da União aprovou as contas destes Presidentes, inclusive no
caso de 2001 fazendo expressa referência a estes decretos de abertura de
crédito suplementar. Teriam estes Presidentes também atentado contra a
Constituição, incorrendo na prática de crimes de responsabilidade? Por que
teriam então silenciado os órgãos de controle, aprovando as suas contas, após a
detida análise da execução orçamentária? Por que então, exclusivamente no meu
governo, que seguiu um procedimento e um entendimento acolhido e reproduzido há
anos, se deveria qualificar a edição destes decretos de abertura de crédito
suplementar como prática de atos ilícitos graves e dolosos? Por que se adota,
no caso, diante de atos idênticos praticados por governos diferentes, dois
pesos e duas medidas? É, portanto, descabida, inaceitável e profundamente
injusta a denúncia por crime de responsabilidade que contra mim é dirigida,
pelo simples fato de ter editado rotineiros decretos de abertura de crédito
suplementar. Não havia ilicitude, segundo a afirmação expressa dos órgãos
técnicos que encaminharam a minha assinatura destes atos. E mesmo que houvesse,
por força de ter ocorrido uma interpretação feita a posteriori da sua edição pelo Tribunal
de Contas da União, não haveria dolo capaz de configurar um grave “atentado” à Constituição.
A segunda denúncia contra mim
dirigida, diz respeito ao alegado atraso nos pagamentos, ao longo do ano de
2015, das subvenções econômicas devidas ao Banco do Brasil, no âmbito da
execução de um programa de crédito rural (Plano Safra). Afirma-se que estes
supostos atrasos teriam qualificado uma verdadeira “operação de crédito” entre o Poder Executivo e um
banco público, o que estaria vedado pela Lei de Responsabilidade Fiscal (art.
36 e 38). Em primeiro lugar, cumpre afirmar que aqui existe, novamente, uma
clara colisão entre o que era reconhecido como apropriado pelos órgãos
jurídicos da Administração Federal e o que, mais tarde, passou a ser decidido
pelo Tribunal de Contas da União. Desde a entrada em vigor da Lei de
Responsabilidade Fiscal, nunca se havia sequer cogitado do entendimento de que
eventuais atrasos de pagamento em prestações de serviços feitas por bancos
públicos, em favor do governo federal, deveriam ser entendidas juridicamente como “operações de
crédito”, ou então, como ajustes a estas “equiparados”. Isto porque não existem, nestes casos,
quaisquer transferências de recursos do pretendido “credor”
para o “devedor”; não há prazo para o pagamento e
nem mesmo um contrato entre o banco e a União; e a previsão de atualização dos
valores está contida em portarias do Ministério da Fazenda desde a vigência da
Lei de Responsabilidade Fiscal, em 2001. Nestes vínculos, há apenas um mero
atraso no pagamento, o que, por si, não qualificaria a existência de um
contrato de mútuo firmado entre um banco credor e o ente administrativo
devedor. Por diversos governos, nunca se considerou qualquer possibilidade
jurídica, portanto, de que essas situações de inadimplência relativa de um
ajuste pertinente a uma prestação de serviços, pudessem ser vistas
como algo vedado pela Lei de Responsabilidade Fiscal. O fato de que, no meu
governo, os valores envolvidos nesses atrasos tenham assumido um patamar
específico em nada altera esta realidade. A natureza de um negócio jurídico não
é alterada pela quantidade de recursos financeiros que nele são alocados. Ou
seja: um atraso no pagamento de um contrato de prestação de serviços, não se
transforma, “juridicamente”, em uma operação de crédito pela
quantificação dos valores nele envolvidos. Ou é para o direito uma “operação”
de crédito, ou não é, pouco
importando se o valor
quantificado em um eventual atraso é de um real ou de um bilhão de reais. Até
antes do Tribunal de Contas da União mudar sua posição sobre a matéria, atrasos
desta natureza, realizados em contratos de prestação de serviços com instituições
financeiras governamentais, nunca haviam sido consideradas como tal. Não
bastasse isso, no caso específico do Plano Safra, sequer um “ajuste negocial” propriamente dito existe entre o governo
federal e o Banco do Brasil. Trata-se de uma situação jurídica inteiramente
determinada por lei (Lei n. 8.427, de 27 de maio de 1992), onde a União recebe
o comando normativo de arcar com uma subvenção econômica em operações de
crédito rural. A própria execução do Plano Safra, assim, não decorre das
cláusulas estabelecidas em um convênio ou em um ajuste contratual. Ela é
unilateralmente disciplinada e regulamentada por meio de portarias do
Ministério da Fazenda. Nestas portarias, diga-se, nunca se fixou um prazo
determinado para o pagamento das subvenções. Donde nunca terem os órgãos
jurídicos, ainda por maiores razões, vislumbrado a possibilidade da existência
de uma tese jurídica de que supostos atrasos de
pagamento, no âmbito deste Plano, pudessem ser compreendidos como “operações de crédito”
vedadas pela Lei de Responsabilidade
Fiscal. Apesar disso, como já salientado, no final de 2015, o Tribunal de
Contas veio a alterar a sua compreensão sobre a matéria. Passou a entender o
que antes os órgãos jurídicos da Advocacia Geral da União não vislumbravam: que
eventuais atrasos de pagamento na prestação de serviços estariam legalmente
vedados, por força de disposições da Lei de Responsabilidade Fiscal. Contudo,
um importante detalhe deve aqui ser observado. Esta alteração definitiva de
entendimento do Tribunal de Contas da União veio ocorrer apenas em dezembro de
2015, ou seja, em momento posterior à ocorrência dos supostos atrasos no
pagamento de subvenções no Plano Safra, qualificados, na denúncia, como crime
de responsabilidade. Não se pode tentar qualificar como ilícita ou mesmo como
dolosa uma conduta realizada por uma Administração em período anterior àquele
em que a posição do órgão de controle veio a firmar o seu novo posicionamento
sobre a matéria. Se uma conduta era antes admitida como válida, não se pode a posteriori, ao se compreender que seria
inválida, se tentar imputar uma sanção retroativa a quem, no momento dos fatos,
tinha a convicção de que não estava descumprindo a lei. Todavia, não bastasse
essa circunstância, por si só descaracterizadora da possibilidade de
ocorrência, no caso, de um crime de responsabilidade, uma outra questão merece
ser legitimamente suscitada.
De acordo com a legislação em
vigor, a execução e o gerenciamento do Plano Safra não competem à Presidência
da República. A sua regulamentação decorre de portarias do Ministério da
Fazenda. Logo, não coube a mim qualquer determinação quanto ao momento em que
deveria ser efetuado o pagamento das subvenções econômicas devidas do Banco do
Brasil. Deveras, não foi submetido a meu âmbito decisório, e nem deveria ser,
qualquer questão relativa a regulamentação ou a gestão concreta do Plano Safra.
Não foi a Presidência da República quem definiu prazos, momentos ou montantes
de pagamento de quaisquer valores a serem repassados à instituição financeira
responsável pela sua execução. Sendo assim, como aliás restou provado nestes
autos por toda a prova testemunhal e pela própria prova pericial produzida, não
se pode falar na existência de qualquer ato por mim praticado em relação ao
Plano Safra que pudesse vir a qualificar a ocorrência de um crime de
responsabilidade, nos termos do art. 85, da Constituição Federal. Não há crime
de responsabilidade sem ato atentatório à Constituição praticado por um
Presidente da República. Apresenta-se, desta forma, como inteiramente descabida
a acusação em apreço. Desde a abertura deste processo, a minha defesa indagou
qual o ato que teria eu praticado, no caso, para a tipificação da ocorrência de
um crime de responsabilidade. Tanto no relatório produzido na Câmara, como no
Senado, essa pergunta não foi respondida. E agora, pelas provas documentais
juntadas aos autos, pelas testemunhas e pela perícia resta provado, de forma
indiscutível: não houve qualquer ato jurídico por mim praticado que pudesse ser
tipificado como um crime de responsabilidade.
Aliás, o texto da denúncia
originalmente chega a afirmar curiosamente que teria eu praticado um “ato
comissivo” em relação aos supostos atrasos de pagamento
no âmbito do Plano Safra. Que “ato comissivo” seria este? Segundo os
denunciantes, este ato restaria materializado no simples fato de que eu
conversaria frequentemente com o Secretário do Tesouro, Sr. Arno Augustin,
segundo notícias divulgadas pela imprensa. Em outras palavras: a prova da
existência do ato jurídico que materializa a acusação contra mim dirigida
estaria no fato de que eu manteria constantes conversas com o aludido
Secretário do Tesouro Nacional Esta afirmação - não é necessário ter formação
jurídica para se perceber - é verdadeiramente absurda. Além de eu nunca ter
tratado de assuntos pertinentes ao Plano Safra com nenhum Secretário do
Tesouro, é importante observar que o Sr. Arno Augustin não exercia esta função
em 2015, no momento em que ocorreram os fatos denunciados. Ou seja, “conversas” pretensamente realizadas com o
ex-Secretário do Tesouro, substituído em 2015, é que seriam a absurda prova do “ato comissivo” por mim
praticado. Tal afirmação, pela sua própria
irrazoabilidade, demonstra a debilidade das acusações que são dirigidas contra
mim nestes autos. Da mesma forma, imaginar-se que eu teria me “omitido” em relação ao dever de
impedir os supostos atrasos de pagamento das subvenções econômicas ao Banco do
Brasil na execução do Plano Safra também parece uma afirmação marcada por uma
profunda incongruência jurídica. Se a gestão do Plano Safra não era feita pela
Presidência da República, como se pode imaginar que tivesse eu algum dever
específico a ser cumprido em relação a determinação destes repasses? Como pode ter se
omitido aquele que não tinha o dever de fazer, e nem dispunha das informações
gerenciais cotidianas que pudessem implicar numa eventual tomada de posição?
Imaginar-se, em sã consciência, que um Presidente da República, comandando
política e administrativamente o Poder Executivo, ou seja, dirigindo uma gigantesca
máquina administrativa constituída de centenas de milhares de servidores, deva
possuir um dever gerencial específico sobre o momento em que devem ser pagos os
montantes de um determinado programa, é um rematado absurdo. Como provado
nestes autos, o conhecimento da gestão cotidiana do Plano Safra, a exemplo de
dezenas de outras situações correlatas, não passa pelo conhecimento direto do
Presidente da República ou mesmo do seu próprio Gabinete. Supor o contrário,
revela um profundo desconhecimento da máquina administrativa e da distribuição
de competências e responsabilidades no âmbito do Poder Executivo, ou o
incontido desejo de que eu seja incriminada, a qualquer preço, por atos
praticados ao longo do primeiro ano do meu segundo mandato presidencial. Não
há, pois, por quaisquer das vias que se adote, a menor possibilidade de se
pretender que possa vir a ser procedente a denúncia de crime de
responsabilidade, contra mim dirigida, em relação a eventuais atrasos no
pagamento das subvenções do Plano Safra. Não há ato, comissivo ou omissivo,
passível de ser a mim atribuído. Não há responsabilidade presidencial passível
de ser configurada no caso. Finalmente, um importante aspecto merece ainda ser
abordado neste depoimento. Afirmou a minha Defesa, desde a sua primeira
manifestação nestes autos, textualmente, que este processo foi aberto e vem sendo promovido
com manifesto e inequívoco desvio de poder. De fato, este processo de impeachment nunca visou o atendimento
da finalidade pela qual a Constituição e a lei vieram, in abstrato, a admiti-lo. Reconhecidamente,
não se partiu de atos ilícitos graves por mim praticados dolosamente, para que
se pudesse apurar uma eventual e necessária responsabilização política da
Chefia do Executivo. Ao revés: partiu-se do desejo claro de que, por razões
puramente políticas, houvesse o meu afastamento da Presidência da República,
para então passar-se a procurar, de forma ávida, quaisquer pretextos jurídicos
que pudessem justificar, retoricamente, a consumação desta intenção. Isso
explica, aliás, a absoluta fragilidade das acusações que constituem a denúncia
por crime de responsabilidade contra mim dirigida neste processo. Desde a sua
abertura pelo Presidente da Câmara, Eduardo Cunha, as razões reais e a
finalidade objetiva que movem este processo de
impeachment são absolutamente claras. Várias forças políticas, viam e continuam a ver, a minha postura de não intervir ou de não obstar as investigações realizadas pela operação “Lava Jato”, como algo que colocava em risco setores da “classe política” brasileira. Como disse um dos líderes mais importantes do governo interino, o senador Romero Jucá, era preciso me destituir da Presidência da República para que, enfim, fosse possível um acordo que esvaziasse as operações policiais contra a corrupção e fosse
impeachment são absolutamente claras. Várias forças políticas, viam e continuam a ver, a minha postura de não intervir ou de não obstar as investigações realizadas pela operação “Lava Jato”, como algo que colocava em risco setores da “classe política” brasileira. Como disse um dos líderes mais importantes do governo interino, o senador Romero Jucá, era preciso me destituir da Presidência da República para que, enfim, fosse possível um acordo que esvaziasse as operações policiais contra a corrupção e fosse
estancada a “sangria” resultante dessas investigações.
Várias outras declarações de integrantes do grupo que apoia ou está hoje no
governo confirmaram esta revelação: era preciso me derrubar para ter uma chance
de escapar da ação da Justiça.
A estes setores se somaram os
que, desde o resultado eleitoral de 2014, não absorveram a derrota nas urnas.
Queriam uma outra política para o país, com finalidades e propósitos
completamente diferentes daqueles que foram escolhidos pela maioria dos
brasileiros. Faço questão de lembrar: em 2014, fui reeleita para dar sequência
a um projeto de desenvolvimento para o Brasil, iniciado ainda no governo Lula,
que está alicerçado na ampliação de direitos e oportunidades para todos os
brasileiros. Um projeto que, graças ao Bolsa Família, nos tirou do mapa da fome
da ONU e permitiu que superássemos a extrema pobreza. Que, com o Mais Médicos,
levou atendimento médico a 63 milhões de cidadãos de todo o Brasil, eliminando
a desatenção que, por séculos, comprometeu o direito à saúde de nosso povo. Fui
escolhida para dar continuidade ao Minha Casa Minha Vida, o mais bem sucedido
programa habitacional de nossa história, que garantiu acesso a casa própria a 2
milhões e 760 mil famílias. E que, no momento de meu afastamento, já havia
contratado a construção de outras 1 milhão e 500 mil moradias. Tudo isso porque
decidimos usar recursos do orçamento da União para subsidiar o custo dessas
moradias, providência imprescindível para viabilizar o acesso de famílias de
baixa renda à casa própria. A população escolheu a continuidade de nossa
política de democratização do acesso ao ensino superior. Graças a políticas como
o ProUni e o FIES e à expansão da rede de universidades federais, dobramos o
número de estudantes universitários no Brasil. Graças à política de cotas,
nossas universidades têm, cada vez mais, as cores da nossa população.
Os brasileiros que me elegeram
entenderam a importância de nossa parceria com Estados e Municípios para
melhorar as condições de transporte urbano em nossas cidades, manifestada em uma
carteira de investimentos de 143 bilhões de reais em obras de metrô, trens,
BRTs, corredores de ônibus. Reconheceram que nosso modelo de concessão, que
buscou combinar a modicidade das tarifas de pedágio e a adequada rentabilidade
do investidor, foi bem sucedido, como mostram os 5.350 km de rodovias que
concedemos, 64% dos quais com compromisso de duplicação pelos concessionários;
os seis aeroportos cuja gestão foi transferida à iniciativa privada e hoje
estão completamente modernizados e ampliados; e a verdadeira revolução que
promovemos no sistema portuário brasileiro. Validaram o modelo de investimento
no setor elétrico, que resultou, desde 2011, no acréscimo de 29.987 MW ao
sistema de geração de energia e de 28.113 km ao sistema de transmissão. Minha
reeleição significou também a autorização para que déssemos sequência aos
investimentos em segurança hídrica em todo o Nordeste. O Projeto de Integração
do São Francisco está deixando de ser sonho porque garantimos os recursos para
realizar esta obra. Implantamos mais de 1 milhão de cisternas por todo o
semiárido e, hoje, os carros pipa circulam sob controle do Exército, para
garantir que a água chegue a quem realmente precisa. Estou certa que os micro e
pequenos empresários reconheceram as atualizações que fizemos nos valores de
enquadramento do Super Simples, universalizado no meu governo. E que a
indústria nacional foi altamente beneficiada por nossa política de conteúdo
nacional e pelos mais de 32 bilhões que investimos no Inova Empresa.
Há muitas outras razões para que
as brasileiras e os brasileiros tivessem escolhido a continuidade do projeto de
Nação que defendemos. Citaria ainda a garantia que as riquezas do pré-sal, por meio
do modelo de partilha, seriam apropriadas por todos os cidadãos e transformadas
em elemento dinamizador dos investimentos em educação e saúde. Ou o orgulho de
o Brasil ter sediado, com sucesso inquestionável, grandes eventos como a Copa
do Mundo de 2014, a Jornada Mundial da Juventude, os Jogos Mundiais Militares,
os Jogos Mundiais dos Povos Indígenas, e que, graças ao planejamento e
investimentos que fizemos, se repetirá nos Jogos Olímpicos e Paralímpicos de
2016, desde que o governo provisório e interino dê sequência às ações
previstas. No entanto, os derrotados buscaram, desde o momento da divulgação
dos resultados eleitorais, encontrar uma forma de reverter a decisão
democrática tomada pelo povo brasileiro. E assim, no momento certo, souberam
unir seus esforços com aqueles que entendiam que o meu governo era um real
obstáculo a seu desejo de construir um verdadeiro pacto de impunidade no país.
Foi, portanto, desse modo, pelo encontro destas duas vertentes políticas que
nasceu e que continua a se desenrolar o presente processo de impeachment.
Um processo aberto e impulsionado
por razões que não podem ser confessadas pelos seus mentores, mas que acabaram
sendo conhecidas de todos por revelações públicas fartamente noticiadas por
toda a imprensa. Um processo provocado pela retórica jurídica e política
daqueles que, sabendo que nos dias atuais seria descabido articular golpes de
Estado pela força das armas, criaram pretextos para justificar um novo modus golpista, um golpe, onde a
Constituição e o Estado de Direito são invocados para que se possa, com
absoluta desfaçatez, melhor pisoteá-los. Postulo, assim, senhoras Senadoras e
senhores Senadores, que Vossas Excelências meditem sobre as frágeis acusações
que me são dirigidas, confrontando-as com as provas irrefutáveis que nestes
autos foram produzidas e que acabam por demonstrar, de forma cabal e
irretorquível, a absoluta improcedência da denúncia por crime de
responsabilidade que motiva este processo. Postulo que, ao fazerem essa
análise, pensem na injustiça da condenação de alguém que não praticou qualquer
crime e teve a sua vida pública sempre marcada por uma profunda honestidade.
Peço que reflitam, com absoluta isenção, sobre a história do nosso país e sobre
o que representará para a nossa jovem democracia a cassação de um mandato
presidencial realizada nestas circunstâncias e por estes motivos. Manifesto
minha sincera confiança na compreensão das Senadoras e dos Senadores que, mesmo
sendo de oposição ao meu governo, estejam abertos a considerar meus argumentos.
Espero que muitos estejam dispostos a agir com isenção. Basta que se analise
este processo para que se saiba que não cometi as irregularidades que são
atribuídas a mim. As provas são evidentes e demonstram cabalmente que agi de
boa-fé, pelo bem do País e do nosso povo e sempre dentro da lei. A
consumação do meu impeachment será uma grande injustiça.
Os que forem verdadeiramente isentos e justos jamais vincularão suas biografias
a esta farsa. Neste momento, a história acontece diante de nós. A gravidade da
situação não nos oferece a opção do silêncio e da omissão.
Quem quer que tenha compromisso
com a democracia tem o dever de tomar posição. O que está em questão, neste
momento, não é o apoio ou a oposição ao meu governo, mas a unidade de todos em
defesa do Estado Democrático de Direito. O que está em questão, neste momento,
é a preservação dos direitos individuais e coletivos do povo brasileiro. Há duas
grandes demandas que nos cobram uma posição: a preservação da democracia em sua
integridade e a manutenção dos direitos da população. Demandas que cobram uma
posição altiva, corajosa e honesta dos senadores que julgarão um pedido de impeachment sem amparo na Constituição,
pela absoluta inexistência de crime de responsabilidade. O Brasil não merece
viver uma nova ruptura democrática. Devemos mostrar ao mundo e a nós mesmos que
conseguimos construir instituições sólidas, capazes de resistir a intempéries econômicas
e políticas. Devemos mostrar que sabemos honrar a nossa Constituição, a
Democracia e o Estado de Direito, zelando pelo respeito ao voto popular.
Devemos mostrar, finalmente, que sabemos dizer não a todos os que, de forma
elitista e oportunista, agindo com absoluta falta de escrúpulos, valem-se da
traição, da mentira, do embuste e do golpismo, para hipocritamente chegar ao
poder e governar em absoluto descompasso com os desejos da maioria da
população.
Brasília, 6 de julho de 2016
DILMA ROUSSEFF Presidenta da República
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