Autor de um livro sobre os dez anos do PT no poder, o
historiador diz que os êxitos do partido são menores que a propaganda faz crer
e que o Brasil é um país de miseráveis
JOSÉ FUCS
Na foto, tirada por Filipe Redondo, da revIsta ÉPOCA, o
historiador Marco Antonio Villa aparece em sua casa, em São Paulo. “Classe
média não mora em favela”
O historiador Marco Antonio Villa, de 58 anos, é uma exceção
na academia. Ao contrário da maioria de seus pares nas ciências humanas, Villa
é um crítico duro das práticas do PT e dos governos petistas. Em seu novo
livro, Década perdida – 10 anos de PT no
poder (Editora Record), ele resgata os principais
acontecimentos do período e traça um retrato impiedoso dos governos Lula e
Dilma.
Nesta entrevista a ÉPOCA, Villa critica a gestão econômica
do PT e analisa as prisões dos mensaleiros. Ele também critica o ex-presidente
Fernando Henrique Cardoso, por ter sido contra a abertura de um processo de
impeachment contra Lula, em 2005. “Essa é uma dívida histórica que ele tem com
o povo brasileiro”, afirma.
ENTREVISTA FEITA EM NOV. 2013
ÉPOCA – Em seu
livro, o senhor chama os primeiros dez anos do PT no poder, entre 2003 e 2012,
de “década perdida”. Por quê?
Marco Antonio Villa
– Nesses dez anos, o Brasil perdeu uma
oportunidade histórica de dar um grande salto. Não só em termos de crescimento
econômico, que foi muito baixo nos governos petistas, como também para
enfrentar os graves problemas sociais do país. Pela primeira vez na
história, tivemos a chance de combinar uma alta taxa de crescimento com um
regime de liberdades democráticas plenas. Até a explosão da crise financeira,
no final de 2008, as condições externas eram muito favoráveis. A China crescia
dois dígitos por ano. Puxava o preço das commodities e gerava uma renda extra
ao país, um dos maiores exportadores mundiais de alimentos e minérios. Em vez
de aproveitar o momento, a partir da âncora criada nos anos 1990, com a queda
da inflação e a estabilidade fiscal e monetária, o governo abriu o baú da
história. Desenterrou velhas leituras econômicas, um keynesianismo cheirando a naftalina, e ideias de presença do Estado
na economia cheias de teias de aranha, dos tempos do governo Geisel, nos anos
1980, que tiveram um alto custo para o país. Provavelmente, os primeiros três
anos do governo Dilma estarão entre os
piores da história econômica brasileira, e a perspectiva de melhora no curto
prazo é baixa.
Tasso Jereissati: "Os políticos estão viciados em
politicagem"
ÉPOCA – Nos dez
anos do PT no poder, a renda da população subiu, o emprego aumentou, a classe
média se tornou maioria, e a economia teve grandes picos de crescimento no
governo Lula. Faz sentido falar em década perdida?
Villa – Os êxitos do PT são bem menores do que se
propala por aí. Eles são repetidos de forma tão sistemática e tão eficaz,
sem nenhuma resistência da oposição, que acabam por adquirir um manto de
verdade. Em 2010, o Brasil cresceu 7,5%, mas a partir de uma base muito baixa.
Em 2009, houve uma recessão. Nos outros anos, o crescimento foi relativamente
tímido. Em média, o Brasil cresceu menos
que a América Latina e os países emergentes nesse período. Os argumentos do governo, de que a classe
média se tornou maioria no país, são totalmente falaciosos. Classe média
não mora em favela nem ganha dois ou três salários mínimos, ou até menos que
isso por mês. Aconteceu é que o PT –
como se fosse o Ministério da Verdade do livro 1984, de George Orwell – começou
a criar novas categorias econômicas para dar êxito a um governo que é um
fracasso. Inventou uma nova classe C, que seria uma outra classe média,
diferente da classe média tradicional, e construiu
a ideia de que o Brasil é um país de classe média. Não é. É um país de
miseráveis.
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expropriador de renda"
ÉPOCA – O Bolsa
Família não é uma saída para reduzir a miséria no país? Esse crédito não
deveria ser dado ao governo petista?
Villa – Ninguém
discorda de que precisa haver programas assistenciais, mas não só para a
população não morrer de fome. É preciso criar meios para enfrentar a miséria e
a pobreza. Não meios que as petrifiquem, como os programas do PT. O governo gasta 0,5% do PIB com o Bolsa
Família, mas não consegue transformar a vida das pessoas. Enquanto isso,
metade do país não tem saneamento básico, a situação da infraestrutura é
lamentável, e o analfabetismo funcional e real não para de subir.
Robert Reich: "Os ricos não criam empregos"
"O PT
estabeleceu uma sólida
aliança entre a base
da pirâmide
e o grande
capital"
ÉPOCA – No livro,
o senhor dedica um bom espaço aos casos de corrupção, em especial ao mensalão,
e diz que PT não combateu a corrupção como deveria. Só aconteceu coisa ruim
nesses dez anos?
Villa – Como
historiador, não tenho culpa de que o volume de casos de corrupção tenha sido o
maior da história republicana do Brasil. Nunca
antes na história deste país houve tanta corrupção quanto na década petista.
Gostaria de que não fosse assim, mas a sucessão de problemas nos ministérios,
de desvios de recursos, nos dois governos Lula e no governo Dilma, é um
recorde. A década petista é a década do discurso, a década da falácia. Não há
realização material. Que grande obra
pública foi construída nesses dez anos? Que usina hidrelétrica foi construída
nesses dez anos? Nenhuma. A transposição do São Francisco, um fracasso.
Estradas, fracasso. Ferrovias, fracasso. Portos, fracasso. Aeroportos, fracasso.
Há apenas a tentativa de construir alguns estádios de futebol, mas não
resolveremos problemas sociais com coliseus do século XXI. O PT é bom no
palanque, mas um péssimo gestor da economia.
Fernando Gabeira: "O Estado se tornou uma extensão do
PT
ÉPOCA – Como o
senhor explica, então, os altos índices de popularidade de Dilma nas pesquisas?
Villa – Essas
pesquisas não servem para nada. Não permitem a compreensão da realidade, até
pela forma como as perguntas são feitas pelos institutos de pesquisa e
respondidas pelos entrevistados. As pesquisas dão apenas uma noção de como as
pessoas veem o debate político. Mesmo tendo uma parcela considerável dos
eleitores, o PT nunca venceu uma eleição presidencial no primeiro turno. Em
2002, quando era oposição, ganhou no segundo turno. Em 2006 e 2010, quando era
governo, idem. Em 2010, até uma semana antes do pleito, diziam que Dilma teria
54% dos votos no primeiro turno. Teve 46%. Sempre há uma superavaliação da
popularidade do governo. Se os índices de popularidade fossem tão altos, o PT
teria ganhado as eleições no primeiro turno, especialmente em 2006 e em 2010.
Em 2010, apesar da derrota, a oposição recebeu 44% dos votos no segundo turno.
ÉPOCA – Em sua
opinião, o que levou o PT a ganhar três eleições seguidas?
Villa – Com o
Bolsa Família e o “Bolsa Empresário”, bancado pelo BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento
Econômico e Social), o PT estabeleceu uma sólida aliança entre a base da
pirâmide e o grande capital. Levando em conta que o Bolsa Família tem 13,5
milhões de famílias cadastradas, e cada família tem, no mínimo, três eleitores
– o pai, a mãe e um filho com mais de 16 anos –, só aí são 50 milhões de
pessoas, o equivalente a quase um terço do eleitorado. Ao mesmo tempo, o
governo se aliou a grandes proprietários de terra, construtoras e aos setores
mineral e industrial. O BNDES virou um instrumento de enorme eficácia para
fortalecer essa aliança entre o PT e o grande capital. Essas alianças, no topo
e na base da pirâmide, alcançaram tal solidez que, hoje, é muito difícil
rompê-las. A oposição não consegue entender que essa estrutura precisa ser rompida,
mas só pode ser rompida fazendo política. A oposição não sabe fazer política.
Quer chegar ao poder sem fazer política. Não por acaso, foi derrotada nas
eleições de 2002, 2006, 2010. Ao que tudo indica será derrotada em 2014 de
novo.
Arno Augustin: "Não sei o que é contabilidade
criativa"
ÉPOCA – A que o
senhor atribui essa fragilidade da oposição?
Villa – De um
lado, o PSDB, o principal partido de oposição, não é um partido de fato. Está
na oposição, mas não é oposição. É curioso. No populismo, o símbolo maior da
oposição era a UDN. Nos tempos mais recentes, o PT. Qualquer oposição age
diuturnamente criticando o governo e buscando uma aproximação com a sociedade,
pensando sempre na próxima eleição, como fazia o PT no governo Fernando
Henrique. O PSDB, não. A impressão é que
o PSDB se sente constrangido de ser oposição. Parece que executa essa tarefa com desagrado. A oposição tem de ser
agressiva. Quando o governo apresentar seus projetos, a oposição tem de se
levantar, falar que tudo aquilo está errado, como a gente vê na Inglaterra, na
França, em Portugal, na Espanha, na Alemanha, nos Estados Unidos.
ÉPOCA – No livro,
o senhor diz que o ex-presidente Fernando Henrique cometeu um erro grave, ao
ser contra o impeachment de Lula em 2005, para investigar sua participação no
mensalão. Por quê?
Villa – Para mim,
Lula é o réu oculto do mensalão. Ele
tinha ciência de tudo aquilo, chegou a ter até dois encontros com Marcos
Valério. Pode não ter participado da organização do esquema, mas era o
principal favorecido. Na estrutura do PT, o
chefe da quadrilha, José Dirceu, não faria aquilo sem a concordância de Lula.
Agora, o que fez Fernando Henrique? Saiu
dizendo que um processo de impeachment de Lula criaria uma crise institucional,
afetaria a economia, o crescimento do país. Essa é uma dívida histórica que ele tem com o povo brasileiro. No
momento em que o PT estava nas cordas, em vez de levá-lo a nocaute, como o PT
faria se estivesse do outro lado, o que o PSDB fez, por meio de seu principal
líder, foi deixar Lula sangrando nas cordas, acreditando que o nocautearia
facilmente nas eleições de 2006.
A oposição teve medo, e esse medo é que deu
combustível para que o PT virasse o jogo, estabelecesse uma aliança sólida
com o PMDB e partidos satélites e criasse
o novo Lula, no último ano do primeiro governo. Esse novo Lula é produto de uma leitura de conjuntura equivocada e
danosa para o futuro do país. E essa leitura foi feita por Fernando Henrique e
pelo PSDB.
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