Há uma passagem na biografia de Winston Churchill escrita por Lord Roy
Jenkins que não me sai da cabeça. Ao visitar um distrito pobre, o ainda jovem
Churchill perguntou a um assessor: “Você imagina o que é passar uma vida
inteira sem ter uma conversa inteligente?”. Estava falando da falta de
oportunidade de desenvolvimento intelectual e estético dos habitantes daquele
lugar que lhe parecia especialmente precário.
A passagem não me sai da cabeça porque a inteligência, produto sempre
escasso na história, vem-se tornando cada vez mais rara desde que as diversões
idiotas tomaram o lugar da cultura e o esquerdismo ocupou os currículos
escolares. Vale tanto para pobres como para ricos.
Não há nada de errado em gostar de diversões idiotas. Eu, por exemplo,
gosto muito de assistir a Game of Thrones. Já de novelas, eu tenho verdadeira
alergia. Acho que elas empipocam o cérebro. Na escala da idiotice, as novelas
atingem o grau máximo, juntamente com as obras de Lênin.
Não há nada de original em falar mal de novelas, mas talvez ainda haja
alguma originalidade em falar mal de todo o resto que se produz no Brasil na
área cultural. De modo geral, a televisão, o cinema, o teatro, a pintura, a
escultura, a literatura, a música e a arquitetura brasileiras são de uma
ruindade assombrosa.
Você, Mario, que escreveu quatro livros, também faz parte desse panorama
desolador? Pode registrar aí: eu faço. Meus quatro livros são uma porcaria. Eu
posso dizer porque os li. Sou tão ruim quanto Chico Buarque, que desancou o meu
primeiro romance, anos depois de eu despedaçar um dos que ele escreveu (não me
lembro o título). Se eu voltar à ficção, será apenas para provar mais uma vez
que sou mau escritor e propiciar aos meus inimigos outros ataques a mim, mesmo
que jamais tenham tido o desprazer de me ler (parafraseando João Cabral de Melo
Neto, gosto de cultivar os meus inimigos como quem cultiva um deserto).
A cultura serve principalmente para termos conversas inteligentes.
Conversas sobre se o mal pode conter o bem (a série Sopranos e Santo Agostinho),
como transformar o particular em universal (Philip Roth e a Torre Eiffel), se o
amor é destino ou construção (Woody Allen e Dante Alighieri) e por aí vai.
Conversas inteligentes não têm nada de aborrecidas, inclusive porque não
costumam tomar mais do que dois por cento da nossa existência. No resto do
tempo, voltamos forçosamente a exercer a nossa futilidade natural, preocupados
que somos com os apetites rasteiros.
A cultura tem o papel de nos elevar um pouquinho, por curto espaço de
tempo, da nossa própria mesquinhez. É como vitamina C. Você não precisa de
muita por dia. Mas o mundo está carente dessa vitamina e, no Brasil, a falta é
completa. A nossa produção cultural só contém carboidratos, glúten e lactose.
Sim, Churchill, dá para imaginar o que é passar uma vida inteira sem ter
uma conversa inteligente.
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