No Brasil, a corrupção acabou se transformando em um sistema.
Deixou de ser um simples negócio entre corruptor e corrupto. Foi construída uma
ampla teia de relações sociais, políticas e jurídicas permitindo e legalizando
a reprodução, numa escala nunca vista na história da Humanidade, da corrupção.O
estado democrático de direito edificado pela Constituição de 1988, por
paradoxal que seja, garantiu e protegeu a expansão deste sistema a tal ponto
que inviabilizou o funcionamento da máquina estatal.
A crise econômica e a falência dos estados são manifestações explícitas dos
limites deste sistema. Sem enfrentar a corrupção, o país não sairá da crise
econômica e, pior, vai desmoralizar a democracia a tal ponto que poderá abrir
caminho para soluções extraconstitucionais.
A elite dirigente tem na corrupção seu instrumento de gestão da
coisa pública. Nos Três Poderes, a corrupção é parte intrínseca do
funcionamento de uma república carcomida. Do conflito de interesses à propina
para obtenção de alguma vantagem, o Brasil acabou gerando um sistema imune à
transformação, petrificado, e que reage a qualquer tentativa de moralização.
Isto porque os participantes deste sistema não conseguem mais sobreviver sem se
locupletar com o saque do Estado: são dependentes da corrupção.
A ladainha dos rábulas transformou a defesa da corrupção em
segurança jurídica. Propalam aos quatro ventos que o combate aos desvios dos
recursos públicos coloca em risco a ordem democrática. Contam com apoio
entusiástico das instituições corporativas. Recebem honorários fabulosos sem
questionar a origem. Defendem corruptos como se fossem verdadeiros heróis
nacionais. Usam e abusam das relações nada republicanas com os tribunais
superiores de Brasília. A Constituição e todo arcabouço jurídico são utilizados
na defesa dos malandros federais, estaduais e municipais. E os causídicos
exibem orgulhosos seus feitos. Sem nenhum pudor, apresentam nas revistas
consumidas em consultórios de médicos e dentistas suas casas, viagens, toda uma
vida de luxo e riqueza.
O sistema
tem apoio de toda a corte que cerca a Praça dos Três Poderes. São
milhares de parasitas que dependem da reprodução da corrupção. Desde a indústria de luxo, passando pelo mercado imobiliário,
pelas diversões (dando um destaque especial às garotas de programa), as famosas
consultorias e até escritórios especializados na defesa, proteção e boa imagem
dos corruptos quando pegos com a mão na botija.
O grande capital é parte deste sistema. Está de tal forma
integrado à corrupção que não consegue viver sem participar do saque da coisa
pública. Entende o Estado como fonte de riqueza; da sua riqueza. Usa da
estrutura governamental para fomentar seus negócios aqui e no exterior. E
exporta seus métodos para o mundo como se fossem novos modelos de gestão, uma
contribuição brasileira à administração de empresas.
O sistema conta com o decisivo apoio das cúpulas dos Três
poderes. Sem isso, ele não se mantém e nem se reproduz. Precisa ter o domínio
mais completo da máquina estatal. Nada pode escapar a sua sanha. E aos que
tentam romper as amarras da corrupção, o sistema busca paulatinamente
cooptá-los. Quando não consegue, isolá-los.
Não causa estranheza a fúria do sistema contra as ações da
Lava-Jato. É até natural, absolutamente compreensível. Afinal, o conjunto das
operações, as investigações, os processos e as condenações atingem interesses
consolidados há décadas na estrutura estatal. O modus vivendi da corrupção está sendo ameaçado. E a ameaça
vem da periferia do poder, e não do centro. É inimaginável supor que as
condenações da Lava-Jato ocorreriam no ritmo e na severidade das penas se os
processos corressem nas cortes superiores de Brasília: todos sabem como a
Justiça é por lá operada.
A fúria, especialmente contra Curitiba, conta com apoio também
dos meios de comunicação de massa. Os formadores de opinião ocultam sua
participação no sistema com um discurso hipócrita de defesa da segurança
jurídica e dos riscos que o combate à corrupção podem trazer à recuperação
econômica. Isto mesmo, para eles, é o combate à corrupção — e não ela,
propriamente dita — que gera turbulências na economia. E ecoam, como papagaios
do poder, diariamente sua ladainha.
Dada a gravidade da crise política, econômica e ética, este é o
momento de enterrar a República construída em 1988. Ela foi de tal forma tomada
por interesses antipopulares que não mais abre espaço a uma mudança. As forças
de conservação são muito mais poderosas que as forças de transformação. O
sistema não se autorreforma.
Vivemos um impasse. A sociedade civil mobilizada
conseguiu derrotar o projeto criminoso de poder petista. Foi uma importante vitória, é verdade. Mas o sistema
continua lá, operando com novos
personagens. Não deseja nenhuma mudança estrutural. Pelo contrário, tudo fará
para impedi-la. E conta com amplo apoio no coração do poder. Irá — como já está
fazendo — reproduzir o discurso de que as instituições estão funcionando e que
passaram no teste do impeachment. Falácia: pois o processo que retirou Dilma
Rousseff da Presidência da República demonstrou que o modelo de Estado
edificado pela Constituição de 1988 é inoperante frente às mazelas da corrupção.
Não será tarefa fácil vencer o sistema. É mais provável a sua
manutenção com reformas cosméticas, sinalizando hipocritamente que o clamor
popular foi ouvido pelos donos do poder. Porém, a história pode percorrer
caminhos inesperados, desconhecidos.
Marco Antonio Villa é historiador
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