Brincadeiras de Carnaval
 Ainda não parei de rir: o Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro aceitou o pedido do Ministério Público do Estado e decidiu proibir a venda, a  exposição e a divulgação de "Minha Luta", o livro de Hitler que caiu em  domínio público em 2016.
Ainda não parei de rir: o Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro aceitou o pedido do Ministério Público do Estado e decidiu proibir a venda, a  exposição e a divulgação de "Minha Luta", o livro de Hitler que caiu em  domínio público em 2016. 
 Quando li a notícia, pensei que fosse brincadeira de Carnaval. Não era. O riso continuou. 
 E atingiu patamares incontroláveis com um texto de Ricardo Lísias nesta Folha, na qual o "escritor", com total ignorância sobre a prática editorial na Inglaterra, nos Estados Unidos ou até em Portugal, defendia uma versão  não comercial do bicho. Em que mundo vive o Brasil? 
 Vamos dizer o óbvio: a decisão da Justiça não é apenas intelectualmente  aberrante; é inútil. O livro de Hitler está disponível em dezenas ou  centenas de sites. Se existem interessados em ler a obra, basta ligar o  laptop. 
 Não que isso seja problemático —no fundo, a velha ideia de que "livros  proibidos" são os mais apetecidos não funciona com "Minha Luta". Um  neonazista não precisa do livro de Hitler para acreditar em  imbecilidades criminosas. Até porque o livro, na sua extensa  mediocridade, é de difícil leitura. Para acreditar em imbecilidades  criminosas, um neonazista só precisa ser um neonazista. 
 Mas quem, em juízo perfeito, teria interesse em ler "Minha Luta"? 
 Agora confesso: qualquer aluno meu. "Minha Luta", tal como os textos de  Robespierre ou Lênin, são leituras obrigatórias para estudantes de  ciência política. Desconfio que o mesmo acontece em história. 
 Digo mais: uma das melhores teses que eu supervisionei em Lisboa foi  escrita por um aluno brasileiro (nem de propósito) que fez um estudo  comparativo entre o pensamento utópico e revolucionário de Lênin e  Hitler a partir dos seus escritos. Esse aluno é hoje um excelente  cientista político, e o nome —Bruno Garschagen— encontra-se em  livrarias. 
 Uma tese dessas seria possível no Brasil? Melhor ainda: um brasileiro  que tenha interesse em estudar o nacional-socialismo e o Terceiro Reich  está proibido de usar uma das suas fontes primárias mais importantes?  Não me matem de riso. 
 "Minha Luta" pode ser um livro "infame". Mas ele é, antes de tudo, um  documento histórico. Escrito na prisão de Landsberg, depois do "putsch"  fracassada dos nazistas contra o governo da Baviera em 1923, o livro  constitui o único texto "sistemático" (digamos assim) da mundividência  de Hitler. 
 Em primeiro lugar, ao mostrar o antissemitismo do futuro Führer: os  judeus, ou os "judeus bolcheviques" (Hitler não distingue), são uma  praga para o futuro da Alemanha. E por quê? 
 Para responder, Hitler roubou descaradamente as ideias de Gobineau:  porque são uma raça inferior, que põe em causa a grandeza da raça  germânica. Se no reino animal as espécies não se misturam com outras  espécies, o mesmo deverá acontecer no reino humano. 
 Para exemplificar a sua "teoria científica", Hitler lembrava a  superioridade dos Estados Unidos (onde os europeus não se misturaram com os indígenas) sobre a América do Sul (onde as intimidades históricas só produziram uma raça bastarda). 
 Engraçado: se a Justiça brasileira deseja evitar o "neonazismo", os  juízes deveriam incentivar, e nunca proibir, a leitura de "Minha Luta"  pelos neonazistas do país. Lendo "Minha Luta" eles ficariam a saber que, aos olhos de Hitler, fazem parte de uma raça inferior e degenerada. 
 Como é evidente, esta concepção racista teve consequências na Alemanha  hitleriana. As Leis de Nuremberg, em 1935, proibiam o casamento entre  arianos e judeus; a "Kristallnacht" de 1938 foi apenas o início de uma  matança mais organizada do povo semita; e o Holocausto dispensa  apresentações. 
 Mas "Minha Luta" é igualmente importante porque ali vemos a obsessão de  Hitler com a conquista de um "espaço vital" —território no leste da  Europa para acomodar a grandeza do povo germânico. 
 Será preciso lembrar que essa obsessão foi rigorosamente cumprida antes e depois de 1939, ano em que a Europa mergulhou novamente na guerra? 
 A decisão do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro é um insulto à  inteligência dos brasileiros e um atestado de atraso intelectual do  país. 
 Aliás, para que a anedota fosse perfeita, só faltava mesmo que o  tribunal decidisse multar-me por divulgar aqui o conteúdo da obra  maldita. 
 Estejam à vontade. Quando se atinge o cume do ridículo, perdido por cem, perdido por mil. 
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1 - Infelizmente os judeus, que eu tanto admiro, fazem com os outros exatamente o que os nazistas fizeram, ao se 'fecharem' por se considerarem um povo melhor, e não aceitarem que haja qualquer envolvimento com outras raças, embora os nazistas tenham ido ainda bem mais adiante, até chegarem ao HOLOCAUSTO. 
2 -Parabéns aos judeus que sobreviveram à época de Hittler e souberam aproveitar parte importante da sua História.
3 - A editora do referido livro agradece pela espécie de "marquetingue" que tem sido feito.
 
 
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