No Carnaval só se pode comprar CERVEJA.
BEBO ATÉ CAIR!
ME DÁ, ME DÁ
ME DÁ UM DINHEIRO AÍ...
Invasões bárbaras - Cora Ronai
Saí no sábado para ver o carnaval em Ipanema. Não fui exatamente a um bloco; fui apenas olhar, ver o que estava acontecendo no bairro em que vivo. A minha ideia era descer a Visconde de Pirajá até o Zona Sul da Praça General Osório, comprar uns queijos para comer mais tarde, talvez conferir o pôr do sol no Arpoador e depois voltar para casa.
Fazer uma caminhada, tirar umas fotos, dar umas risadas.
O que era para ser um passeio divertido acabou sendo ocasião para uma melancólica constatação existencial — estou velha. Eu já sabia disso oficialmente, desde que fiz 60 anos, e as pessoas passaram a me empurrar para as filas preferenciais; só que nem sempre a gente sente o que sabe. Nesse sábado, porém, a sensação que tive foi a de que o mundo que eu conhecia, e de que gostava, acabou.
Ipanema estava cheia de gente. A partir da Farme, era difícil até andar. Havia pessoas fantasiadas, havia uns focos de animação aqui e ali. Mas o que havia, de forma predominante, eram vendedores de cerveja e gente bêbada. Muitos vendedores de cerveja e muita gente bêbada. Muita gente muito bêbada! Muitos jovens muito jovens muito bêbados. E, com isso, o que deveria ser alegria e festa dava a impressão de desespero e de infelicidade crônica, num clima under-the-volcano absurdamente angustiante.
Gente caindo, gente vomitando, gente que mal se aguentava nas pernas; gente falando palavrões aos gritos e sendo grosseira; gente se amassando escorada nas grades.
Ninguém cantando, ninguém dançando, ninguém fazendo um carnaval. (a não ser diante de um jornalista, quando todos cantam e dançam)
Não consigo achar graça nisso.
Imagino que as pessoas que participam dessa muvuca gostam do que estão fazendo, ou não estariam lá. Imagino também que, um dia, daqui a vinte ou trinta anos, vão dizer aos filhos que carnaval bom mesmo era o do seu tempo. É assim que o mundo muda e que a vida segue em frente. Nós, mais antigos, vamos ficando para trás.
É natural.
Não consegui chegar até o Arpoador. Havia gente demais. E, para piorar, na esquina da Vieira Souto havia também uma muralha de banheiros químicos armada sobre um lago de mijo. O fedor chegava aos céus.
Voltei para a Prudente de Moraes e peguei um táxi que ia passando; não tive vontade de refazer a pé o percurso que havia me levado até ali. Foi uma péssima ideia. Vinicius e Joana Angélica estavam fechadas, com cones e guardas impedindo a passagem dos carros. Quarenta minutos e R$ 25 depois terminei o percurso de dez minutos e R$ 7.
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Escrevi esse desabafo assim que cheguei em casa e mandei para a rede. Terminei com uma frase que, agora, passados alguns dias, me parece excessivamente dramática: “Carnaval, para mim, é uma festa que ficou em algum lugar do passado que nunca mais vou visitar”. Mas era assim que estava me sentindo.
Em pouco tempo, o post tinha dez mil curtidas. Dois dias depois, eram 30 mil. Agora, madrugada de quarta, já são 39 mil. Dez mil compartilhamentos. Mais de 2,4 mil comentários. Esses números são significativos porque a maioria dos comentários foi feita por gente da Zona Sul, que passou pela mesma experiência e tem as mesmas queixas. Ninguém aguenta mais o barulho, as ruas fechadas, a quantidade de gente, os roubos, os canteiros destruídos, a tensão que é o oposto do espírito de carnaval, as montanhas de lixo, o cheiro de vômito e de urina que continua pelos cantos mesmo depois do trabalho hercúleo dos garis.
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A internet não seria o que é se a turma do contra não se manifestasse. Pessoas que leram o que imaginaram, e não o que escrevi, interpretaram o meu texto como uma espécie de manifesto contra o carnaval de rua — quando era apenas a expressão de uma experiência pessoal, e da constatação de que os tempos mudaram, tendo mudado eu também. As mais virulentas delas, curiosamente, escreveram de fora do Rio.
Outras me aconselharam a ir para o Centro, para Santa Teresa ou para Laranjeiras, onde o que eu entendo como carnaval de rua sobrevive muito bem, obrigado, com pequenos blocos criativos e simpáticos. É uma boa sugestão, e no ano que vem vou me programar para me divertir em alguns deles, mas, ainda assim, isso não resolve nem redime o que está acontecendo nas ruas da Zona Sul.
Outras pessoas ainda apontaram o táxi que peguei e os queijos que comprei como provas inequívocas de que sou uma burguesa desprezível: afinal, gente progressista e descolada não sai na rua para comprar queijo no sábado de carnaval.
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Vários carnavais coexistem na mesma cidade. Alguns têm dado certo, muito certo. Mas basta andar por Ipanema ou Copacabana na esteira de um megabloco para ver que o que está acontecendo na Zona Sul precisa ser repensado, assim como precisa ser repensada a ideia de se entregar a cidade a uma cervejaria cujo único interesse é fazer com que as pessoas bebam cada vez mais, e cada vez mais cedo.
Depois do que vi em Ipanema, não consigo mais ouvir “beba com moderação” sem ser tomada por instintos assassinos: que gente cínica!
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