“Se não existissem más pessoas, não haveria bons advogados.” - Charles Dickens
“Sem advogado no meio...”
Waldo Luís Viana*
Poucas pessoas compreenderam ou deram importância à expressão acima, proferida em conversação privada de José Sarney, ex-presidente e senador, com seu (ex)-amigo e interlocutor, o empresário Sérgio Machado, captada indevidamente por este, apavorado com a possibilidade da própria prisão por investigações e denúncias pela operação Lava-Jato.
As elites políticas estão apavoradas pela atuação – para elas “desprimorosa” – do Judiciário, fiando-se nos lenitivos oferecidos pelo instituto do foro privilegiado. Nesse contexto, a severidade do andar de baixo da Justiça seria um padrão indevido a ser evitado por quem sabe que tem “culpa no cartório”...
No entanto, sabe-se que, na medida em que se escala a ladeira do poder, em que os comprometimentos são mais blandiciosos e perigosos, sobem também os custos das defesas dos acusados, sempre NEGANDO quaisquer comprometimentos e jurando inocência, como qualquer prisioneiro pobre e desvalido de nossas penitenciárias medievais.
ADMITIR CULPA, JAMAIS ! Essa perspectiva não combina com os políticos brasileiros que, antes de se comportarem como situação e oposição agem como máfia. O seu corporativismo evidente, porém, foi abalado duramente pelas investigações atuais do poder Judiciário que, de repente, atropelou os hábitos seculares de nossos parlamentares.
Acuados, eles planejam, na surdina, construir um conjunto de leis que detenham operações indevidas que os levem ao calabouço, aos magotes. Suas necessidades eleitorais, que os irmanam ao poder econômico, em conluio oculto e manifesto com empresários, empreiteiras, bancos e grandes empresas, efetivam um cenário recorrente de ações em que o político “rouba pra se eleger e se elege pra roubar” – como simplificou com brilhantismo o velho e saudoso senador Agenor Maria. Jamais prefeririam modificar tal quadro de impunidade implícita, porque o que dá voto e dinheiro é o que no fundo interessa.
No entanto, quando se esbarra na Justiça é necessário recorrer a ilustres causídicos para justificar o injustificável. Mesmo assim, as elites políticas lamentam demais gastar seus recursos (em bom português) “coçar o bolso” para pagar a conta dos heroicos e sempre bem pagos intitulados “maiores advogados do país”.
O maior deles, o falecido dr. Márcio Thomas Bastos, que se notabilizou por defender L. e seus apaniguados no poder e não levou nada no caixão, inclusive se regozijava na defesa de senhores digamos no mínimo de “má fama” com especial desenvoltura. Quanto mais rico e com cheiro de culpado o acusado, mais parecia ser uma especial e festejada mina de ouro...
Afinal, com muitas e corajosas exceções, os advogados não pensam idealmente na Justiça, que para eles seria um conceito puramente abstrato, mas nos honorários, objetos concretos de suas ambições e para eles a mais legítima das reivindicações dentro do quadro de múltiplas e honradas atividades.
É por isso que a elite olímpica brasileira, no fundo, tem ódio deles, porque tais causídicos obrigam os seus integrantes a fazer compulsoriamente distribuição de renda, repatriar recursos do exterior e outras medidas para pagar as enormes quantias exigidas para o exercício de seu mister em suas defesas, às vezes indefensáveis...
Assim, quanto mais culpado o cliente rico, quanto mais evidentes as suspeitas contra ele, mais o advogado fatura em seus escritórios prósperos e bem montados. Neles, evidentemente não entra o povo, a ralé miúda que fica relegada à indigência das defensorias públicas e à prosaica demora na tramitação e conclusão de processos. Nesse contingente sobram os negros, pobres e prostitutas – a rama da sociedade que não merece o bom tratamento jurídico oferecido ao andar de cima.
Por outro lado, as elites também gastam seus recursos para retardar condenações, pagando regiamente para adiar a conclusão dos processos, ciosas de que as protelações, ao longo do tempo, poderão gerar a prescrição, nulidade ou preclusão das lides que abalam suas reputações e honras disfarçadas, acumuladas diligentemente a custa do Erário e das verbas do Executivo que, de acordo com elas, “não são de ninguém”...
Por isso, teoricamente para deter a operação Lava-Jato seria de bom alvitre “não colocar advogado no meio”. Afinal de contas, eles complicam... A solução deveria gravitar apenas na dimensão política, a mais fácil de lidar e delas bem conhecida...
São tecnicalidades sofisticadas, argumentos retorcidos por um “jurisdiquês” sem fim, que acabam por deixar os poderosos correndo o risco de permanecer em prisão preventiva, como aconteceu com o imperial Marcelo Odebrecht e afeta também um penca de implicados, dentre eles o marqueteiro João Santana e sua amorável esposa, Mônica, responsáveis pelas últimas campanhas presidenciais petistas.
Todos sabem, inclusive o senador Sarney, que se eles abrirem a boca, cansados do “conforto” das celas da polícia federal em Curitiba, talvez a própria República estremeça e caia de maduro.
O que será de nós? – perguntam, então, os congressistas. Será que não restará “pedra sobre pedra”, como já declarou certa vez o ministro Teori Zavascki, relator da Lava-Jato no Supremo?
São dúvidas que assaltam as consciências endinheiradas do Legislativo e preocupam o mercado, sempre sensível às oscilações e desconfianças que cercam a temida possibilidade de perda de dinheiro e investimentos.
Mas se a grana é tão sagrada, e a política, um meio de faturar propinas e fazer fortunas por outros meios, muito se tem a perder, porque os juízes que afinal estão cuidando desses indivíduos, desde a primeira instância – principalmente o famoso Sérgio Moro (que sabemos já foi ameaçado de morte e está bem guardado) – eles mesmos estão jungidos a salários fixos e recursos menos aquinhoados, principalmente se comparados à riqueza dos implicados em grandes negociatas e mamatas. Essas desproporção também é fator de desequilíbrio para as elites, temerosas dos julgamentos até em instâncias superiores.
Mesmo assim, as “grandes ratazanas” querem permanecer no Olimpo, às expensas das concessões do vetusto “foro privilegiado”, esperando com isso a ocultação dos seus mal feitos e a costumeira venda de virtudes públicas.
Tudo foi armado por elas, no Legislativo, para que mantivessem as coisas como estão. Descobrir corrupção, no entanto, e nessa dimensão bilionária, batendo recordes mundiais, não era esperado pelos dirigentes que inauguraram o processo de corrupção sistêmica nesses últimos treze anos e não acreditavam realmente em qualquer punição.
Mensalão, petrolão e outras operações que poderiam ser multiplicadas no BNDES, CARF e outras instâncias, lançariam, porém, o país em outra dimensão institucional, sem dúvida não desejada pela atual classe política, como comprovam as suas conversações e diálogos privados, ora divulgados.
Assim, se no frigir dos ovos ainda pusessem “advogados no meio” o que seria desses ricaços que sempre se locupletaram da convivência com o governo e a cumplicidade com o poder?
A crença quase religiosa na capacidade desses causídicos, porém, não tirou o sr. Marcelo Odebrecht da cadeia e os demais poderosos que ainda não deram com a “língua nos dentes”. Mas falta muito pouco para isso...
O povo do Brasil assiste de camarote, através de jornais, revistas semanais e do noticiário das TVs, ao desfecho dessas pantomimas, sem atinar no que vai dar tudo isso. Até agora, todo o esforço dos políticos deu errado, porque suas estratégias se tornaram explícitas. E sabemos que “malandro adivinhado não é malandro”.
Até o momento, quanto mais eles conspiram para “melar” a Lava-Jato mais ela cresce e se fortalece.
Quem sabe, nessa luta insana, que estamos presenciando, talvez sobre para o povo brasileiro algum bônus, fazendo-o indiretamente lucrar com a decadência e prisão de tantos poderosos.
E “sem advogados no meio...”
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*Waldo Luís Viana é escritor, economista, poeta
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