Desordem e propina ou desordem e regresso tanto faz.
Foi nisso que os diversos tipos de políticos transformaram nosso Brasil
e a vida dos brasileiros
Falta combinar com a rua
Nos 25 anos da Mãos Limpas, na Itália, há lições sobre a encruzilhada
política em que a Lava-Jato se encontra hoje, quando alguns insistem num certo
‘acordo nacional’
José
Casado,
Fev.2017
Aconteceu há 25 anos. No fim da
tarde de sexta-feira, 17 de fevereiro de 1992, um empresário do setor de
higiene hospitalar foi recebido pelo presidente de uma instituição pública de
saúde. Tenso, entregou-lhe um envelope com dinheiro, sete milhões, já
explicando que ainda não conseguira os outros sete combinados. Era parte da
propina de 10% exigida para novo contrato de limpeza.
— Quando vem o resto?
Luca Magni ouviu, ajeitou o
paletó com a caneta transmissora no bolso, e respondeu:
— Na próxima semana.
O empresário saiu, policiais entraram e prenderam o presidente do
serviço de Saúde, Mario Chiesa, político do Partido Socialista Italiano que sonhava ser prefeito de Milão.
Ninguém ali podia imaginar, mas
protagonizavam um evento que, pela década seguinte, revelaria uma Itália dominada pela corrupção.
Empresários, políticos e servidores compunham uma engrenagem de roubo de
dinheiro público.
Mãos Limpas, codinome dessa ação judicial italiana, está no DNA da
Lava-Jato brasileira. Foi relatada em obra dos
repórteres Gianni Barbacetto, Peter Gomez e Marco Travaglio. A recente edição
no Brasil tem prefácio de um juiz federal em Curitiba, Sérgio Moro. Exige
fôlego (896 páginas), mas a leitura flui como em “Lava Jato”, de Vladimir
Netto. São livros complementares.
Os italianos narram uma história
de império da Justiça até a forte reação
legislativa dos corrompidos, apoiados pelos corruptores. Nessa encruzilhada
hoje se encontra a Lava-Jato.
Lá, em oito anos, foram
investigadas 6.059 pessoas — entre elas, 483 parlamentares, dos quais quatro
ex-primeiros-ministros. Contaram-se 2.993 prisões e cerca de mil condenações.
Empresários se suicidaram, sobreviventes se beneficiaram da anistia
autoconcedida pelos políticos.
Aqui, em quase três anos, são 788 investigados com 188 prisões — 90%
empresários, e um político com mandato. Contam-se 120 condenações na
primeira instância judicial.
Até dezembro, apenas três ações haviam sido abertas contra parlamentares no
Supremo. Uma contra o deputado federal Nelson Meurer (PP-PR) e duas contra
Eduardo Cunha (PMDB-RJ), enviadas a Curitiba depois da sua cassação.
O Supremo terminou 2016
aguardando decisão da Procuradoria-Geral sobre 58 inquéritos sem denúncia
formalizada, de acordo com o relator no STF, Teori Zavascki. Desses, 25 (ou
43%) estavam na polícia ou no Ministério Público. O restante fora ao arquivo
(seis casos), juntados ou redistribuídos a outros juízes (27).
Um mês antes de morrer, na
segunda-feira 19 de dezembro, o juiz Zavascki exibiu uma planilha com essas
informações. Quis deixar claro que estava “em dia” com os processos — numa
crítica indireta ao ritmo da Procuradoria-Geral. Sua ausência estimulou alguns
no governo e no Congresso a redobrar a aposta num “grande acordo nacional”,
como prescrevia o senador Romero Jucá (PMDB-RR), depois do carnaval do ano
passado:
— Com o Supremo, com tudo...
— Aí parava tudo — retrucou o
dono do gravador, Sérgio Machado, ex-presidente da estatal Transpetro.
— É. Delimitava onde está, pronto
— arrematou o senador.
No Congresso sobram evidências de
tentativas para um certo “acordo nacional”. O problema é
o mesmo do último carnaval: falta combinar com a rua.
Nenhum comentário :
Postar um comentário