ANNA VIRGINIA BALLOUSSIER/ GABRIEL ALVES
SÃO PAULO –
fev./2017
Antes de ser espancado, morto e canibalizado por seus
semelhantes, Foudouko era o tal.
Quando chegava, os outros chimpanzés faziam uma sinfonia de grunhidos para
aclamá-lo. O ar de superioridade e a
testa enrugada lhe renderam o apelido de Saddam (como o ditador iraquiano)
entre uma equipe de antropólogos que o observava no Senegal, 11 anos atrás.
A ascensão desse
macho alfa foi mais rápida do que sua queda.
Foudouko foi deposto em 2007, dois anos após a derrubada do Saddam humano. Perdeu o poder após seu número dois, o
macho beta Mamadou, se ferir gravemente.
Enfraquecido, o líder fugiu de sua tribo de chimpanzés. Após cinco anos de exílio, arriscou voltar. Mas era só chegar
perto que os outros machos o
escorraçavam. Em 2013, acabou assassinado. Tinha em torno de 17 anos.
William Mur
*****
Numa madrugada de 2013, a equipe da antropóloga Jill Pruetz
escutou gritos vindos da comunidade. Ao amanhecer, um assistente foi até a
savana senegalense verificar.
Macacos o mordam: Foudouko foi encontrado com mãos cobertas
por marcas de dentes e arranhões. As feridas sugerem que dois chimpanzés
abocanharam seus braços, esticando-os enquanto outros agrediam o ex-rei do
pedaço com murros. O pé sangrava muito de uma mordida.
O grupo continuou a vilipendiar seu corpo já sem vida. Jogaram pedras, dilaceraram sua garganta e
comeram partes da carne defunta. A fêmea mais gulosa era a mãe de dois
machos agora no comando da tribo. Um deles era Mamadou, o ex-braço direito de
Foudouko, bem mais comedido na
violência do que o resto -ele até sacudiu o parceiro morto, como se estivesse
tentando acordá-lo.
A história com requintes shakespearianos foi contada em
artigo publicado em janeiro pelo "International Journal of
Primatology", periódico acadêmico dedicado à ciência que estuda os
primatas.
O epílogo não choca só pela brutalidade. São também raros
casos de assassinato entre chimpanzés da
mesma comunidade. Na academia, há registro de nove mortes afins.
A SOCIEDADE DOS CHIMPANZÉS Alianças entre indivíduos podem
definir sucesso ou desgraça para primatas
O primatólogo Frans de Waal encontrou situação similar com um
grupo de chimpanzés cativos, na qual
a liderança era instável. "Um
alfa foi morto e castrado por dois machos frustrados após perderem o posto [de
dominantes]", afirma à Folha o autor de "Eu, Primata" (2007).
Rebeliões do tipo em geral atingem machos
tiranos, diz. "Se um alfa tem mão pesada e aterroriza a todos, isso pode
terminar mal para ele. Se o alfa é popular, seria deposto sem tamanha
agressão."
"De vez em quando surgem histórias meio
shakespearianas" no meio, diz o etólogo (especialista em comportamento
animal) Eduardo Ottoni, da USP. A força
de um alfa "depende muito de alianças". Caso seu beta o traia e
se una a outro, "esses dois podem dar um pau nele".
O desfecho no Senegal pegou de surpresa o antropólogo Michael
Wilson, da Universidade de Minnesota. "Matar inimigos é fácil de explicar.
Mas [o fim de Foudouko] me faz pensar em 'Os Sopranos'", comparou em
artigo publicado no "Washington Post".
Canibalismo também é atípico – um dos casos mais famosos
envolve a fêmea Zora, que arrancou pênis e testículos de um macho. "Ela os
comeu com folhas frescas arrancadas de uma muda", relata "The Real
Chimpanzee" (2009), que fala sobre as estratégias sexuais dessa espécie
conhecida, no nome científico, como Pan troglodytes.
No artigo acima podemos perceber como os indívíduos, considerados humanos, se parecem com os chimpanzés, principalmente na "falsa" amizade existente entre os que lucram com a liderança de uns e de outros.
Aí vemos como é terrível a perda do poder, seja em que 'classe' for. Vemos também o que pode ocorrer após uma ascensão e as perdas que ocorrem após a queda.
Existe ascensão sem queda?
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