Réquiem para Maria Sapatão
GUILHERME FIUZA
09/02/2017
Tragédia no Carnaval: Maria Sapatão foi fuzilada a sangue-frio, ante os olhares atônitos dos foliões. Numa sequência brutal, os serial killers da bondade progressista abriram fogo contra Zezé, o da cabeleira. Ninguém mais poderá perguntar “será que ele é?”. Abatido à queima-roupa, Zezé não é mais nada – nem transviado. A faxina cultural deixaria Mao Tsé-tung boquiaberto ao avançar sobre a mulata – um dos mais famosos símbolos carnavalescos – e acabar com sua raça. Quem mandou ficar rebolando?
A decisão tomada por alguns blocos de rua do Rio de Janeiro, de banir as marchinhas com referências às tradicionais figuras supracitadas, é mais um passo épico da revolução moderna. O processo é comovente: você reúne toda a sua bravura para sair em defesa da mulata contra um preconceito que ela não sabia que sofria. Mas você, humanista de plantão, sabe. E vai ensiná-la a se sentir violentada pelo racismo sempre que ouvir a palavra “mulata” – que é evidentemente uma expressão cruel, hedionda e cunhada como instrumento de dominação da elite branca.
Antes de tomar essa atitude corajosa, você era um alienado, um espírito de porco, enfim, um idiota. Mas, depois de conseguir transformar a mulata em credora da opressão racial e fazê-la odiar quem a chama de mulata, você é um revolucionário.
O Brasil e o mundo estão avançando rumo às cotas mentais. Essa gente descolada e consciente está aí para não deixar ninguém se esquecer de que a escravidão foi ontem – como diria Barack Obama – e que esse flagelo da humanidade só será superado se um dia as pessoas pularem Carnaval pensando nisso. Chegaremos à perfeição quando uma negra ganhar um beijo de um branco atrás do trio elétrico e devolver-lhe uma chibatada – acerto de contas.
O fenômeno politicamente correto é uma bênção. Quanta gente medíocre estava aí pelos cantos sem saber o que fazer com sua mania de grandeza? Era um cenário desolador, de dar pena mesmo, que felizmente está superado. Hoje você joga uma frase qualquer contra a homofobia nas redes sociais e pode correr para o abraço. “Aí eu vou pra galera!”, exclamaria o Seu Boneco, personagem do tempo em que o exibicionismo canastrão era piada. O que os gays que fizeram história há 50 anos em San Francisco devem estar achando desses nerds brincando de vanguarda sexual?
Não interessa. A vida real e as transformações verdadeiras dão muito trabalho – e não permitem ir “pra galera” na velocidade de um clique. Legal mesmo é a narrativa. Essa é molezinha – e faz milagres na vida dos inúteis. Para vocês terem uma ideia, o Brasil teve recentemente uma presidente da República afastada por delinquência – e essa pobre coitada não só continua a salvo da polícia, como a narrativa da “presidenta” ainda lhe vale uma bela trincheira mercadológica. Entenderam? A credencial de mulher progressista vale para todos os Carnavais – inclusive esses em que Maria Sapatão foi barrada. Fantasia é tudo.
O bom dessa revolução é que ela é prática – você declama seus conceitos de R$ 1,99 e triunfa. Sendo progressista, portanto uma pessoa boa, portanto a favor dos fracos, portanto guardião do que é nosso, portanto defensor da Petrobras, você pode roubar a Petrobras sem deixar de ser do bem. Sendo contra o Cunha (lembram-se dele?), você pode virar herói da resistência democrática contra o golpe – e, se sua posição favorecer a narrativa da quadrilha, ninguém vai nem notar.
Um marciano que pousasse agora na Terra perguntaria a você, à luz de seus conceitos de 1,99, qual a diferença entre uma revolução progressista e uma recaída moralista. A criatura esverdeada quereria saber se essa onda de botar a cor da pele, a opção sexual e o atestado ideológico à frente de tudo é combate ao preconceito ou exploração dele. Se você não o chamasse de fascista e o mandasse voltar para Marte, o alienígena ainda lhe perguntaria, inocentemente, se bordoada de policial malvado é mais dolorosa do que rojão de militante bonzinho.
Esses marcianos são insuportáveis e não entendem nada de humanismo. Você é capaz de entrar numa conversa dessas se achando moderno e sair com a certeza de que é reacionário. Se surgir um desses na sua frente, não hesite: tranque-o no armário, junto com Maria Sapatão e a cabeleira do Zezé.
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